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CARLOS HEITOR CONY
Geografia do medo
RIO DE JANEIRO - Houve tempo em que Duque de Caxias, cidade que integra o Grande Rio, era a mais violenta do território nacional. Nem
mesmo na caatinga, onde atuavam
os cangaceiros dos diversos bandos,
os de Lampião, os de Corisco, os de
Ventania e outros, o índice de violência era maior e mais letal do que em
Caxias, cujo cemitério tinha densidade populacional maior do que a da
própria sede do município.
No primeiro jornal em que trabalhei, cobrir qualquer coisa em Caxias
representava um vale suplementar
pago na caixa, a título de "missão perigosa". Ir a Caxias era mais heróico
do que ir a Bagdá ou à faixa de Gaza.
Complicado inventário familiar
surpreendeu minha infância. Fiquei
sabendo que tínhamos direito à partilha de umas terras por lá, e acredito
que, no único simpósio que realizamos domesticamente, decidimos
doar a nossa parte a parentes mais
necessitados, não por caridade, mas
por cautela e, de minha parte, por
medo mesmo.
Passa o tempo e moro há mais de 20
anos na Lagoa, lugar que já foi nobre,
pacífico e, além disso, próspero. Um
desses institutos que medem coisas
abstratas, como qualidade de vida e
padrão cultural, apontou a Lagoa como o melhor bairro do Rio.
A realidade é outra. Com dois túneis enormes, 64 entradas e saídas
para qualquer ponto do cidade e do
país, é o trecho urbano onde mais
acontecem assaltos, dos individuais,
entre os que caminham pela orla, aos
residenciais, sendo comum o mesmo
bando invadir dois ou três apartamentos quase ao mesmo tempo.
A Lagoa oferece a qualquer assalto,
grande ou pequeno, as melhores rotas de fuga, é um "rond-point", que
torna impossível qualquer captura.
Ao contrário de bairros fechados,
como a Urca, o Leme e alguns poucos,
a Lagoa é escancarada como uma
terra de ninguém, coberta de furos
como um queijo suíço, ou, como querem alguns, aberta como uma flor.
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