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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Geografia do medo

RIO DE JANEIRO - Houve tempo em que Duque de Caxias, cidade que integra o Grande Rio, era a mais violenta do território nacional. Nem mesmo na caatinga, onde atuavam os cangaceiros dos diversos bandos, os de Lampião, os de Corisco, os de Ventania e outros, o índice de violência era maior e mais letal do que em Caxias, cujo cemitério tinha densidade populacional maior do que a da própria sede do município.
No primeiro jornal em que trabalhei, cobrir qualquer coisa em Caxias representava um vale suplementar pago na caixa, a título de "missão perigosa". Ir a Caxias era mais heróico do que ir a Bagdá ou à faixa de Gaza.
Complicado inventário familiar surpreendeu minha infância. Fiquei sabendo que tínhamos direito à partilha de umas terras por lá, e acredito que, no único simpósio que realizamos domesticamente, decidimos doar a nossa parte a parentes mais necessitados, não por caridade, mas por cautela e, de minha parte, por medo mesmo.
Passa o tempo e moro há mais de 20 anos na Lagoa, lugar que já foi nobre, pacífico e, além disso, próspero. Um desses institutos que medem coisas abstratas, como qualidade de vida e padrão cultural, apontou a Lagoa como o melhor bairro do Rio.
A realidade é outra. Com dois túneis enormes, 64 entradas e saídas para qualquer ponto do cidade e do país, é o trecho urbano onde mais acontecem assaltos, dos individuais, entre os que caminham pela orla, aos residenciais, sendo comum o mesmo bando invadir dois ou três apartamentos quase ao mesmo tempo.
A Lagoa oferece a qualquer assalto, grande ou pequeno, as melhores rotas de fuga, é um "rond-point", que torna impossível qualquer captura.
Ao contrário de bairros fechados, como a Urca, o Leme e alguns poucos, a Lagoa é escancarada como uma terra de ninguém, coberta de furos como um queijo suíço, ou, como querem alguns, aberta como uma flor.


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