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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Do holerite às compras

LUIZ MARINHO E JOSÉ LOPEZ FEIJÓO

Projetado para produzir 3,2 milhões de veículos, o parque automotivo nacional produziu nos últimos dois anos em torno de apenas 1,8 milhão -ociosidade de 40%. Diante desse quadro, empresas como a General Motors e a Volkswagen anunciaram medidas de impacto negativo sobre o nível de emprego, como o "lay-off" (espécie de licença com redução dos salários) e a transferência de empregados para uma nova empresa intermediadora de mão-de-obra -a Autovisão Brasil, do grupo Volkswagen.
A recente redução do IPI deverá incrementar as vendas internas. Mas é preciso que o Fórum de Competitividade do Setor elabore rapidamente uma política industrial consistente para a cadeia produtiva. Um excelente projeto norteador deve ser o Programa Nacional de Renovação e Reciclagem da Frota de Veículos, pelos seus impactos positivos em termos de produção, emprego, segurança, controle de poluição, economia de combustível e reaproveitamento de materiais.
A retomada do crescimento constitui elemento central da política do setor, mas não esgota a pauta de discussões. É fundamental negociar também no referido fórum o Contrato Coletivo Nacional de Trabalho no Setor. Não haverá incremento da competitividade sem melhoria das relações de trabalho.
Os resultados da pesquisa "Do holerite às compras: remuneração, preços e poder aquisitivo do tempo de trabalho em 17 municípios com produção automobilística no Brasil", que divulgamos recentemente, reforçaram a nossa crença quanto à importância do Contrato Coletivo Nacional. Elaborado pelas Subseções Dieese no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e na Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT, o estudo mostra que é falso o argumento empresarial de que os salários nas novas áreas de produção são mais baixos porque ali os preços são menores do que nas áreas tradicionais. De modo geral, os preços guardam grande convergência nas 17 cidades. As maiores diferenças encontradas foram nos preços dos terrenos, dos aluguéis e da educação.
Há hoje uma nova geografia de produção no país. Em 1990, havia 12 marcas de fabricantes de veículos, produzindo em 17 fábricas instaladas em seis municípios. Em 2002, após o Regime Automotivo e a guerra fiscal da segunda metade dos anos 90, havia 18 marcas, 27 fábricas e 18 municípios. Novos atores e instituições passaram a participar da chamada cadeia de produção automobilística e é preciso conhecê-los melhor. Além disso, a guerra fiscal gerou expectativas de desenvolvimento local que merecem uma avaliação mais rigorosa.
Para medir o poder aquisitivo das remunerações, realizou-se nos 17 municípios coleta simultânea de preços de 151 produtos e serviços, desde itens como alimentação, aluguel, equipamentos domésticos, transporte, vestuário, educação, saúde, recreação e despesas pessoais até os de maior valor agregado, como terrenos e veículos. Mais de 5.000 preços foram levantados.


Não haverá incremento da competitividade sem melhoria das relações de trabalho

De fato, as remunerações são muito desiguais no país. Os salários nas novas regiões (entre elas São José dos Pinhais, Resende, Porto Real, Juiz de Fora, São Carlos e Gravataí) representam apenas entre 47% e 30% dos salários na região do ABC e no Vale do Paraíba. Em Camaçari e Sete Lagoas, chegam a representar apenas, respectivamente, 30% e 22% das remunerações no ABC.
Embora maiores, as remunerações do ABC são suficientes apenas para a aquisição dos 151 produtos e serviços. Já no caso das novas áreas, distanciam-se bastante do gasto mensal necessário de uma família metalúrgica. Um exemplo é o caso de Sete Lagoas e Camaçari, onde a remuneração precisaria ser 252% e 150% maior, respectivamente, para equiparar-se ao gasto mensal necessário.
A pesquisa é inédita porque mensura o poder aquisitivo do trabalhador brasileiro em tempo de trabalho necessário para adquirir produtos e serviços. Tomemos alguns exemplos. O tempo necessário para o horista direto adquirir os itens da alimentação é de 34h27min no ABC, 71h45min em Betim, 123h10min em Camaçari, 85h em Resende, 78h32min em São José dos Pinhais e 155h23min em Sete Lagoas. Em relação ao aluguel, os resultados encontrados foram: 37h43min no ABC, 66h58min em Betim, 101h10min em Camaçari, 67h em Resende, 58h20min em São José dos Pinhais e 152h29min em Sete Lagoas. Já para adquirir um veículo 1.0, o trabalhador do ABC precisa de 1.285h15min, enquanto o de Betim, de 2.784h37min, o de Camaçari, de 4.444h55min, o de Resende, 3.380h44min, o de São José dos Pinhais, 2.999h48min e o de Sete Lagoas, 6.407h29min.
O estudo procurou também sugerir alternativas para a equiparação da jornada e para a padronização de remunerações, no contexto da negociação do Contrato Coletivo Nacional de Trabalho do Setor. No caso da jornada, uma das alternativas é a fixação de uma meta de redução da jornada, com a previsão de reduções programadas em cada fábrica. Deve-se prever também limite para as horas extras. Em relação à remuneração, entre as alternativas sugeridas, está a fixação de um piso salarial nacional no setor.
Essa é a linha de política industrial que defendemos no governo Lula: uma política que combine incentivos ao crescimento industrial com geração de empregos e melhoria das condições de trabalho.

Luiz Marinho, 44, é presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores). José Lopez Feijóo, 53, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.


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