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TENDÊNCIAS/DEBATES
Do holerite às compras
LUIZ MARINHO E JOSÉ LOPEZ FEIJÓO
Projetado para produzir 3,2 milhões de veículos, o parque automotivo nacional produziu nos últimos
dois anos em torno de apenas 1,8 milhão -ociosidade de 40%. Diante desse
quadro, empresas como a General Motors e a Volkswagen anunciaram medidas de impacto negativo sobre o nível de
emprego, como o "lay-off" (espécie de
licença com redução dos salários) e a
transferência de empregados para uma
nova empresa intermediadora de mão-de-obra -a Autovisão Brasil, do grupo
Volkswagen.
A recente redução do IPI deverá incrementar as vendas internas. Mas é
preciso que o Fórum de Competitividade do Setor elabore rapidamente uma
política industrial consistente para a cadeia produtiva. Um excelente projeto
norteador deve ser o Programa Nacional de Renovação e Reciclagem da Frota
de Veículos, pelos seus impactos positivos em termos de produção, emprego,
segurança, controle de poluição, economia de combustível e reaproveitamento
de materiais.
A retomada do crescimento constitui
elemento central da política do setor,
mas não esgota a pauta de discussões. É
fundamental negociar também no referido fórum o Contrato Coletivo Nacional de Trabalho no Setor. Não haverá
incremento da competitividade sem
melhoria das relações de trabalho.
Os resultados da pesquisa "Do holerite às compras: remuneração, preços e
poder aquisitivo do tempo de trabalho
em 17 municípios com produção automobilística no Brasil", que divulgamos
recentemente, reforçaram a nossa crença quanto à importância do Contrato
Coletivo Nacional. Elaborado pelas
Subseções Dieese no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e na Confederação
Nacional dos Metalúrgicos da CUT, o
estudo mostra que é falso o argumento
empresarial de que os salários nas novas
áreas de produção são mais baixos porque ali os preços são menores do que
nas áreas tradicionais. De modo geral,
os preços guardam grande convergência nas 17 cidades. As maiores diferenças encontradas foram nos preços dos
terrenos, dos aluguéis e da educação.
Há hoje uma nova geografia de produção no país. Em 1990, havia 12 marcas
de fabricantes de veículos, produzindo
em 17 fábricas instaladas em seis municípios. Em 2002, após o Regime Automotivo e a guerra fiscal da segunda metade dos anos 90, havia 18 marcas, 27 fábricas e 18 municípios. Novos atores e
instituições passaram a participar da
chamada cadeia de produção automobilística e é preciso conhecê-los melhor.
Além disso, a guerra fiscal gerou expectativas de desenvolvimento local que
merecem uma avaliação mais rigorosa.
Para medir o poder aquisitivo das remunerações, realizou-se nos 17 municípios coleta simultânea de preços de 151
produtos e serviços, desde itens como
alimentação, aluguel, equipamentos
domésticos, transporte, vestuário, educação, saúde, recreação e despesas pessoais até os de maior valor agregado, como terrenos e veículos. Mais de 5.000
preços foram levantados.
Não haverá
incremento da competitividade sem melhoria das relações de trabalho
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De fato, as remunerações são muito
desiguais no país. Os salários nas novas
regiões (entre elas São José dos Pinhais,
Resende, Porto Real, Juiz de Fora, São
Carlos e Gravataí) representam apenas
entre 47% e 30% dos salários na região
do ABC e no Vale do Paraíba. Em Camaçari e Sete Lagoas, chegam a representar apenas, respectivamente, 30% e
22% das remunerações no ABC.
Embora maiores, as remunerações do
ABC são suficientes apenas para a aquisição dos 151 produtos e serviços. Já no
caso das novas áreas, distanciam-se
bastante do gasto mensal necessário de
uma família metalúrgica. Um exemplo
é o caso de Sete Lagoas e Camaçari, onde a remuneração precisaria ser 252% e
150% maior, respectivamente, para
equiparar-se ao gasto mensal necessário.
A pesquisa é inédita porque mensura
o poder aquisitivo do trabalhador brasileiro em tempo de trabalho necessário
para adquirir produtos e serviços. Tomemos alguns exemplos. O tempo necessário para o horista direto adquirir
os itens da alimentação é de 34h27min
no ABC, 71h45min em Betim,
123h10min em Camaçari, 85h em Resende, 78h32min em São José dos Pinhais e 155h23min em Sete Lagoas. Em
relação ao aluguel, os resultados encontrados foram: 37h43min no ABC,
66h58min em Betim, 101h10min em Camaçari, 67h em Resende, 58h20min em
São José dos Pinhais e 152h29min em
Sete Lagoas. Já para adquirir um veículo
1.0, o trabalhador do ABC precisa de
1.285h15min, enquanto o de Betim, de
2.784h37min, o de Camaçari, de
4.444h55min, o de Resende,
3.380h44min, o de São José dos Pinhais,
2.999h48min e o de Sete Lagoas,
6.407h29min.
O estudo procurou também sugerir
alternativas para a equiparação da jornada e para a padronização de remunerações, no contexto da negociação do
Contrato Coletivo Nacional de Trabalho do Setor. No caso da jornada, uma
das alternativas é a fixação de uma meta
de redução da jornada, com a previsão
de reduções programadas em cada fábrica. Deve-se prever também limite
para as horas extras. Em relação à remuneração, entre as alternativas sugeridas,
está a fixação de um piso salarial nacional no setor.
Essa é a linha de política industrial que
defendemos no governo Lula: uma política que combine incentivos ao crescimento industrial com geração de empregos e melhoria das condições de trabalho.
Luiz Marinho, 44, é presidente da CUT (Central
Única dos Trabalhadores). José Lopez Feijóo,
53, é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC.
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