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São Paulo, terça-feira, 12 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Liberdade para o gás de cozinha

DEMÉTRIO AUGUSTO ZACHARIAS E JARBAS ANDRADE MACHIONI

A distribuição do gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha, é de máximo interesse, pois influi grandemente no dia-a-dia de todos nós. A ANP (Agência Nacional do Petróleo) e as demais autoridades do setor, que atualmente tratam do tema, estão escrevendo uma página relevante na história do setor. Mas será uma nova página ou a repetição de uma triste história?
Há uma luta gigante: de um lado um oligopólio que domina o setor, mas que é acusado de ser um verdadeiro cartel. É o grupo formado por seis grandes empresas, representadas pelo Sindigás (Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de GLP), que dominam 96% do mercado.
De outro lado, representadas pela Angás (Associação Nacional dos Distribuidores de GLP), estão a empresas regionais, pequenas e médias, querendo livre concorrência e tentando ficar a salvo daquilo que o próprio Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) do Ministério da Justiça, já chamou de "manias e manobras do oligopólio".
Sabemos que os consumidores, ao comprarem o gás de cozinha, são obrigados a entregar à engarrafadora um vasilhame igual e vazio, pagando apenas pelo produto nele contido. Se não tiverem um vazio, terão de adquiri-lo. As distribuidoras fazem promoção de venda de botijões ao público, aos revendedores e até a concorrentes.
Após a venda, a distribuidora volta à sua sede com vasilhames vazios, recebidos na troca. Entretanto, neste país com mais de 80 milhões de botijões de diversas marcas, as empresas se vêem envolvidas num esforço para destrocá-los em uma onerosa operação realizada por 16 Centros de Destroca. Não se consegue trocar todos os botijões sempre, até em razão de lamentáveis guerras comerciais e de sumiços de botijões. Os tribunais, delegacias e o próprio Cade registram queixas desse tipo.
As empresas de menor porte sofrem muito mais com a dificuldade de obter os botijões de sua marca. Literalmente, eles quase somem, dentro do "turismo" dos botijões, que consome milhões de reais, encarecendo o gás de cozinha.


É preciso não ceder a pressões e finalmente liberar o setor de práticas cartelizadoras

Pelas atuais normas da ANP, a engarrafadora não pode se utilizar de botijão que não tenha a sua marca nele estampada.
Há um dilema grave, mas, sem alternativas, as empresas, então, engarrafam o botijão independentemente da marca. Essa prática chama-se "botijão OM", ou botijão de outras marcas. Todas as empresas do setor fizeram ou fazem uso dessa prática. Elas tomam o cuidado de identificar botijões OM com sua própria marca e cores e lacre, deixando clara a sua origem. Adotam tal prática legitimadas por pareceres dos maiores juristas do país, nomeadamente, os professores Miguel Reale, Eros Roberto Grau, Celso Antonio Bandeira de Mello, Marcus Elídius Michelli de Almeida, J. J. Calmon de Passos e o saudoso ministro Evandro Lins e Silva.
As pequenas e médias empresas defendem o engarrafamento de botijões OM como única e eficaz maneira de combater a cartelização do setor, pois somente essa liberalização dará suficiente garantia de que botijões de sua marca não serão desviados. É essa garantia que permitirá a entrada de novos agentes e empresas dentro do processo de abertura do mercado defendido pelo governo.
As grandes empresas, contrariamente, por intermédio do Sindigás, afirmam que o setor é competitivo e que (obviamente) elas não formam um cartel, mas um mero oligopólio. Querem que o uso do botijão OM permaneça vetado. Quais são os argumentos? Ei-los:
1. O botijão seria de propriedade da empresa cuja marca está estampada nele.
É um equívoco total. O consumidor comprou o botijão da distribuidora, reembolsando o capital empregado para que ela colocasse no mercado o vasilhame. Como alguém arvorar-se em permanente dono da coisa vendida?
2. O Código da Propriedade Industrial veda o uso da marca alheia.
Quem engarrafa botijão OM não quer usar a marca nele estampada, mas o vasilhame. Por isso, cobre a marca alheia, para realçar a sua. Tal questão já foi debatida desde as primeiras décadas do século passado. A jurisprudência autoriza esse entendimento, facultando a reutilização de vasilhames.
3. A prática de uso dos botijões OM não dá segurança ao consumidor.
É uma inverdade. O engarrafamento de botijão OM dá mais segurança ao consumidor do que a marca no corpo do vasilhame, mediante o uso de um selo antiinflamável nele colado, identificando quem, quando e onde o vasilhame foi engarrafado. A segurança desse procedimento é atestada tecnicamente.
Os argumentos do oligopólio são usados contra a verdade. O que as grandes empresas querem é manter o mercado fechado, o que comprovadamente encarece o preço do gás de cozinha. Mas é preciso não ceder a pressões e finalmente liberar o setor de práticas cartelizadoras.

Demétrio Augusto Zacharias, 47, empresário, é presidente da Angás. Jarbas Andrade Machioni, 46, advogado, é especialista em ações institucionais e consultor jurídico da entidade.


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