São Paulo, sábado, 12 de agosto de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Nas atuais circunstâncias, é correto manter o benefício da saída de Dia dos Pais aos presos?

NÃO

Cândido benefício

ÍTALO MORELLE

A PLÚMBEA nuvem que pairou e paira sobre o Estado de São Paulo, a qual contém o feitiço das inépcias sem precedentes oriundas de facções criminosas, faz com que, nas atuais circunstâncias, e em acordo com a legislação vigente (lei nº 7.210, de 1984), não seja razoável a concessão do benefício de saída temporária -o "indulto de dia dos pais". Transbordada há muito a taça da iniqüidade, depara-se agora a população, atemorizada e traumatizada, com atos de barbárie, atrocidade e selvageria jamais vistos. Tais facções, muito bem articuladas e estruturadas, arremetem contra bens públicos e estabelecimentos particulares, fazendo uso de bombas ou com rajadas de metralhadoras; de forma covarde e pusilânime, ceifam vidas de agentes penitenciários e policiais, cujos prantos dos familiares, inextinguíveis, soam e ressoam, reverberando no imo do sensível coração dos homens de bem. No pináculo da ousadia, deixam uma granada em via pública com intenso fluxo de cidadãos. Promovem o caos inaudito. Cediço que os tentáculos -e quiçá os mais portentosos- de tais facções se encontram, precisamente, nos estabelecimentos prisionais. E, menos certo não o é que tais facções, mediante coação ou outros subterfúgios, arregimentam, quase que em sua totalidade, a população carcerária. Logo, milhares de presos que mantêm liames com tais facções criminosas ganharão as ruas -e sem vigilância. Seria candidez ou ingenuidade extrema descartar que, ao saírem dos cárceres, deixarão de atuar em prol de projetos (ordens) de interesse de tais facções; ou, quando não, poderão engajar-se em ataques e investidas contra a sociedade ou o Estado, assim como praticar outros crimes. Tudo sem deslembrar que considerável parcela de reclusos agraciados com tal benesse simplesmente não volta às celas. Como encimado, a legislação atual não se coaduna com os extremamente inquietantes momentos que a sociedade pacata e laboriosa atravessa. Vejamos. Para a saída temporária (art. 123), basta encontrar-se em regime prisional semi-aberto, ter cumprido um sexto da pena e apresentar comportamento adequado -o que, por ausência de estrutura, não é devidamente aferido-, havendo compatibilidade com os objetivos da pena (e sempre há, até porque o benefício se ajusta com os ditames da lei ). Ora, um assaltante à mão armada (cuja periculosidade é manifesta) muita vez já inicia o cumprimento da pena em regime semi-aberto (art. 33 do Código Penal). Considerando que a pena para tal crime, em regra, gira em torno de 5 anos e 4 meses de reclusão, após um sexto da reprimenda -menos de um ano-, já se faz jus à saída temporária (além de trabalho externo e freqüência em curso profissionalizante etc.; e sabe-se quanto as empresas ou cursos "de fachada" que alistam reclusos possibilitam que, longe do cárcere, pratiquem crimes). Curial, pois, a precipitação em pôr no convívio social, em tão exíguo lapso temporal, criminoso desse matiz. Também, considerando a possibilidade de progressão para regime prisional em crime hediondo, em acordo com recente decisão do STF, um estuprador, com pena de 6 anos, cumprindo apenas 1 ano, será galardoado com o regime semi-aberto e poderá gozar do mesmo benefício. Ora, todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido (art. 1º da CF), restando axiomático que a população desaprova tal política criminal. Assim, entendemos que o Congresso Nacional, diante do quadro atual, deveria modificar a Lei de Execução Penal e, se necessário, extinguir tal benefício. Ou, caso o mantenha, que, mediante rigoroso exame criminológico (abolido pela lei nº 10.792/03), se ateste a ausência de periculosidade, aptidão psicológica e adequação temperamental, sob pena de indevido favorecimento a elementos notoriamente perigosos que acabam sendo beneficiados com a extrema tolerância da lei -tudo com graves prejuízos sociais.


ÍTALO MORELLE , 40, juiz de direito, é diretor-adjunto de imprensa da Associação Paulista dos Magistrados.


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