|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
Nas atuais circunstâncias, é correto manter o
benefício da saída de Dia dos Pais aos presos?
NÃO
Cândido benefício
ÍTALO MORELLE
A
PLÚMBEA nuvem que pairou e
paira sobre o Estado de São
Paulo, a qual contém o feitiço
das inépcias sem precedentes oriundas de facções criminosas, faz com
que, nas atuais circunstâncias, e em
acordo com a legislação vigente (lei nº
7.210, de 1984), não seja razoável a
concessão do benefício de saída temporária -o "indulto de dia dos pais".
Transbordada há muito a taça da
iniqüidade, depara-se agora a população, atemorizada e traumatizada,
com atos de barbárie, atrocidade e
selvageria jamais vistos.
Tais facções, muito bem articuladas e estruturadas, arremetem contra
bens públicos e estabelecimentos
particulares, fazendo uso de bombas
ou com rajadas de metralhadoras; de
forma covarde e pusilânime, ceifam
vidas de agentes penitenciários e policiais, cujos prantos dos familiares,
inextinguíveis, soam e ressoam, reverberando no imo do sensível coração dos homens de bem. No pináculo
da ousadia, deixam uma granada em
via pública com intenso fluxo de cidadãos. Promovem o caos inaudito.
Cediço que os tentáculos -e quiçá
os mais portentosos- de tais facções
se encontram, precisamente, nos estabelecimentos prisionais. E, menos
certo não o é que tais facções, mediante coação ou outros subterfúgios,
arregimentam, quase que em sua totalidade, a população carcerária. Logo, milhares de presos que mantêm
liames com tais facções criminosas
ganharão as ruas -e sem vigilância.
Seria candidez ou ingenuidade extrema descartar que, ao saírem dos
cárceres, deixarão de atuar em prol de
projetos (ordens) de interesse de tais
facções; ou, quando não, poderão engajar-se em ataques e investidas contra a sociedade ou o Estado, assim como praticar outros crimes. Tudo sem
deslembrar que considerável parcela
de reclusos agraciados com tal benesse simplesmente não volta às celas.
Como encimado, a legislação atual
não se coaduna com os extremamente inquietantes momentos que a sociedade pacata e laboriosa atravessa.
Vejamos. Para a saída temporária
(art. 123), basta encontrar-se em regime prisional semi-aberto, ter cumprido um sexto da pena e apresentar
comportamento adequado -o que,
por ausência de estrutura, não é devidamente aferido-, havendo compatibilidade com os objetivos da pena (e
sempre há, até porque o benefício se
ajusta com os ditames da lei ).
Ora, um assaltante à mão armada
(cuja periculosidade é manifesta)
muita vez já inicia o cumprimento da
pena em regime semi-aberto (art. 33
do Código Penal). Considerando que
a pena para tal crime, em regra, gira
em torno de 5 anos e 4 meses de reclusão, após um sexto da reprimenda
-menos de um ano-, já se faz jus à
saída temporária (além de trabalho
externo e freqüência em curso profissionalizante etc.; e sabe-se quanto as
empresas ou cursos "de fachada" que
alistam reclusos possibilitam que,
longe do cárcere, pratiquem crimes).
Curial, pois, a precipitação em pôr
no convívio social, em tão exíguo lapso temporal, criminoso desse matiz.
Também, considerando a possibilidade de progressão para regime prisional em crime hediondo, em acordo
com recente decisão do STF, um estuprador, com pena de 6 anos, cumprindo apenas 1 ano, será galardoado com
o regime semi-aberto e poderá gozar
do mesmo benefício.
Ora, todo o poder emana do povo e
em seu nome será exercido (art. 1º da
CF), restando axiomático que a população desaprova tal política criminal.
Assim, entendemos que o Congresso Nacional, diante do quadro atual,
deveria modificar a Lei de Execução
Penal e, se necessário, extinguir tal
benefício. Ou, caso o mantenha, que,
mediante rigoroso exame criminológico (abolido pela lei nº 10.792/03), se
ateste a ausência de periculosidade,
aptidão psicológica e adequação temperamental, sob pena de indevido favorecimento a elementos notoriamente perigosos que acabam sendo
beneficiados com a extrema tolerância da lei -tudo com graves prejuízos
sociais.
ÍTALO MORELLE , 40, juiz de direito, é diretor-adjunto de
imprensa da Associação Paulista dos Magistrados.
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Jorge Gregori: Pela lei, sem medo nem concessões Próximo Texto: Painel do leitor Índice
|