São Paulo, domingo, 12 de agosto de 2007

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Carga tributária invisível

FRANCISCO DORNELLES


Quando o consumidor souber quanto paga de imposto em cada bem que compra, poderá exercer plenamente a cidadania


AO ACORDAR e acender uma luz, o brasileiro está pagando de impostos, sem saber, cerca de 46% de sua conta de energia. No café da manhã, os impostos equivalem a 36% do preço do café, 40% do preço do açúcar e 35% do preço do biscoito. Mesmo com incentivos para a cesta básica, os impostos ainda comem 18% do preço da carne e do feijão e 35% do preço do macarrão. Se usa o telefone, paga 40% da conta em impostos. Para o lazer, na compra de uma TV, 38% do preço vai para o fisco.
Esses números, calculados em trabalho do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, mostram que os brasileiros pagam muitos impostos sem ter como deles fugir, sem saber e, por isso, sem reclamar. Isso porque os impostos vêm embutidos no preço das mercadorias e serviços. São os chamados impostos indiretos.
Tais tributos assumem formas e denominações as mais diversas no Brasil: impostos (como o ICMS estadual, o IPI federal e o ISS municipal); contribuições (como a Cofins, o PIS e a Cide, sobre combustíveis); e taxas (como a Fust federal, sobre telefonia).
Como causa, o ônus é pesado não só pelo tamanho das alíquotas mas também porque, com freqüência, elas incidem sobre o próprio valor do imposto (as chamadas alíquotas por dentro são aplicadas apenas no Brasil), com o agravante de muitos impostos serem cobrados sobre o valor dos outros impostos (por exemplo, a Cofins incide sobre o ICMS, que incide sobre a Cofins, e assim vai).
Como conseqüência, um efeito é a cumulatividade, que decorre do fato de que, quando são isentadas ou aliviadas as exportações, os investimentos e até mesmo a cesta básica, o imposto cobrado ao longo da cadeia de produção nem sempre é devolvido.
Por exemplo, não adianta isentar o pão de imposto se não for devolvido o cobrado da farinha. Do mesmo modo, se a exportação de um veículo for isenta, é preciso devolver o que foi cobrado do aço, no motor e nas autopeças usadas na sua fabricação.
Como tal distorção não ocorre na maior parte dos países, a tributação nacional prejudica a competitividade do que é produzido no Brasil, seja lá fora, seja no mercado interno.
Outra conseqüência danosa é a chamada regressividade, ou melhor, a forma como a carga tributária é dividida entre as famílias brasileiras.
Quem ganha pouco consome tudo e acaba mais penalizado pela tributação pesada sobre mercadorias e serviços. Já os mais ricos conseguem poupar e, conseqüentemente, sofrem relativamente menos com os impostos sobre o consumo.
A distorção ficou evidenciada em estudo recente de economistas da USP: as famílias que ganham até dois salários mínimos arcam com um total de impostos equivalente a 48% de sua renda; as que ganham mais de 30 salários, com o equivalente a 26%. Entre essas duas faixas há uma clara correlação: a proporção dos impostos diminui à medida que a renda aumenta.
A explicação para o diferencial está na tributação extremamente elevada da produção, da venda e do consumo de bens e serviços, bem como da movimentação financeira decorrente.
Há ainda o agravante de que ninguém sabe o que está pagando, porque aqui, ao contrário do que acontece nos países mais desenvolvidos, o contribuinte não é informado do total de imposto cobrado sobre uma compra em sua nota fiscal ou recibo.
O Brasil volta a discutir a reforma tributária, e muitas propostas estão sendo apresentadas. Mas, independentemente da reforma a ser adotada, será importante informar o consumidor de uma mercadoria ou serviço quanto de imposto ele está pagando no ato da compra.
Quando o consumidor souber quanto paga de imposto em cada bem que compra, poderá exercer plenamente a cidadania: acompanhar e cobrar dos governantes a aplicação desses impostos. Em particular, os mais pobres vão descobrir também que pagam impostos e que, na maioria das vezes, pagam proporcionalmente mais que os de renda mais elevada.
A transparência permitirá primeiro que os consumidores reajam à tentativa de novos aumentos da carga tributária. Em segundo lugar, irão refletir não somente sobre o tamanho e a qualidade da carga tributária mas também sobre o poder público como um todo, avaliando se o que recebem em benefícios e serviços dos governos compensa ou se está a altura do que lhes pagam em impostos.
A falta de transparência é mãe da regressividade, da elevada carga tributária, da injustiça social e da inadequação do sistema tributário do país.
Reformar essa estrutura pode transformar os "consumidores pagadores" em "cidadãos cobradores".

FRANCISCO OSWALDO NEVES DORNELLES , 72, advogado, doutor em direito financeiro pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), é senador da República pelo PP-RJ e vice-presidente nacional de seu partido. Foi ministro da Fazenda (1985), da Indústria, Comércio e Turismo (1996-1998) e do Trabalho e Emprego (1999-2002).

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