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JOSÉ SARNEY
Os nós e o Onze
Quando as torres gêmeas de Nova York vieram abaixo e se soube
a profundidade do terror que as derrubou, a frase que mais correu os jornais foi: "O mundo não será mais o
mesmo". Dois anos depois, sabe-se
que não é mesmo, e o tempo encurtou. Parece que um chip histórico
comprimiu milhares de fatos que
ocorreram depois. Os dois anos passaram como se não tivessem passado.
Tivemos duas guerras, a do Afeganistão e a do Iraque, a economia mundial parou, Bolsas caíram, grandes
companhias faliram, o setor de seguros despencou, esquadras e Exércitos
se movimentaram, a ONU fracassou,
a Europa dividiu-se, os americanos
mudaram leis, conceitos e modos de
viver. O medo passou a ser uma moeda de troca do dia-a-dia e a guerra das
civilizações de teoria passou a ser
ameaça concreta.
A América do Sul mostrou ser a face
oculta da Lua. Todo o enfoque da política internacional voltou-se para o hemisfério Norte. A preocupação americana teve um só objetivo: preparar-se
para a guerra. Primeiro, contra Bin
Laden e os talebans. Depois, contra
Saddam. Permanentemente, contra o
terrorismo.
O Brasil sofreu efeitos colaterais. Como exemplo temporão, vamos gastar
milhões de dólares para que os americanos tenham certeza de que as mercadorias embarcadas por nós para lá
não levem disfarçadas bombas biológicas ou químicas. Em Santos e no
Rio, máquinas de detecção de materiais perigosos terão de ser instaladas,
manuseadas por controladores especializados americanos, que residirão
no Brasil. Motivo: as máquinas que sabem ler essas coisas são americanas e
só eles têm autorização para operá-las.
E não adianta falar em soberania e em
ingerências. Se a mercadoria não for
inspecionada assim, não desembarcará nos Estados Unidos e adeus, exportação. Tudo rescaldo de Bin Laden e
companhia.
Quanto às guerras, a do Afeganistão
terminou e não acabou. A do Iraque
acabou, mas continua. Agora, em vez
de Saddam, há o fanatismo religioso, e
o povo, que era contra o ditador execrável, tem outro martírio, o de lutar
contra a ocupação. Lembremos Vieira
de Mello: "Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros ocuparem Copacabana".
Os Estados Unidos, democratizando
o prejuízo, pedem a outros países que
substituam soldados americanos e
com eles dividam as despesas da guerra. Já vi essa conduta nas discussões na
velha UDN, quando Juracy Magalhães
acusava Carlos Lacerda: "Ataca só e se
defende em conjunto".
O mundo realmente mudou depois
do 11 de Setembro. Não se descobriram as armas de extermínio em massa, motivação para a guerra, que foram tão bem guardadas que Blair e
Bush nelas acreditaram sem vê-las.
Eram feitas de pó de mentira. Mas tudo isso é história. Ficaram a tragédia e
suas consequências.
A última delas, a descoberta do Pentágono de que "a comunidade latina é
a mais promissora em termos de alistamento militar" (leia-se, ir para o
front). Tem os melhores candidatos a
esse chamamento patriótico: são pobres, pretos e chicanos. Para atraí-los,
oferecem a quem estiver disposto a ir
para o Iraque a imediata cidadania
americana, com todos os direitos, entre os quais o de morrer em Bagdá e
ser enterrado com honras nacionais.
Todas essas coisas aconteceram, como diria o nosso sempre citado Shakespeare, no reino da Dinamarca, ou
melhor, em Washington (DC) e circunvizinhanças.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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