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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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JOSÉ SARNEY

Os nós e o Onze

Quando as torres gêmeas de Nova York vieram abaixo e se soube a profundidade do terror que as derrubou, a frase que mais correu os jornais foi: "O mundo não será mais o mesmo". Dois anos depois, sabe-se que não é mesmo, e o tempo encurtou. Parece que um chip histórico comprimiu milhares de fatos que ocorreram depois. Os dois anos passaram como se não tivessem passado.
Tivemos duas guerras, a do Afeganistão e a do Iraque, a economia mundial parou, Bolsas caíram, grandes companhias faliram, o setor de seguros despencou, esquadras e Exércitos se movimentaram, a ONU fracassou, a Europa dividiu-se, os americanos mudaram leis, conceitos e modos de viver. O medo passou a ser uma moeda de troca do dia-a-dia e a guerra das civilizações de teoria passou a ser ameaça concreta.
A América do Sul mostrou ser a face oculta da Lua. Todo o enfoque da política internacional voltou-se para o hemisfério Norte. A preocupação americana teve um só objetivo: preparar-se para a guerra. Primeiro, contra Bin Laden e os talebans. Depois, contra Saddam. Permanentemente, contra o terrorismo.
O Brasil sofreu efeitos colaterais. Como exemplo temporão, vamos gastar milhões de dólares para que os americanos tenham certeza de que as mercadorias embarcadas por nós para lá não levem disfarçadas bombas biológicas ou químicas. Em Santos e no Rio, máquinas de detecção de materiais perigosos terão de ser instaladas, manuseadas por controladores especializados americanos, que residirão no Brasil. Motivo: as máquinas que sabem ler essas coisas são americanas e só eles têm autorização para operá-las. E não adianta falar em soberania e em ingerências. Se a mercadoria não for inspecionada assim, não desembarcará nos Estados Unidos e adeus, exportação. Tudo rescaldo de Bin Laden e companhia.
Quanto às guerras, a do Afeganistão terminou e não acabou. A do Iraque acabou, mas continua. Agora, em vez de Saddam, há o fanatismo religioso, e o povo, que era contra o ditador execrável, tem outro martírio, o de lutar contra a ocupação. Lembremos Vieira de Mello: "Eu não gostaria de ver tanques estrangeiros ocuparem Copacabana".
Os Estados Unidos, democratizando o prejuízo, pedem a outros países que substituam soldados americanos e com eles dividam as despesas da guerra. Já vi essa conduta nas discussões na velha UDN, quando Juracy Magalhães acusava Carlos Lacerda: "Ataca só e se defende em conjunto".
O mundo realmente mudou depois do 11 de Setembro. Não se descobriram as armas de extermínio em massa, motivação para a guerra, que foram tão bem guardadas que Blair e Bush nelas acreditaram sem vê-las. Eram feitas de pó de mentira. Mas tudo isso é história. Ficaram a tragédia e suas consequências.
A última delas, a descoberta do Pentágono de que "a comunidade latina é a mais promissora em termos de alistamento militar" (leia-se, ir para o front). Tem os melhores candidatos a esse chamamento patriótico: são pobres, pretos e chicanos. Para atraí-los, oferecem a quem estiver disposto a ir para o Iraque a imediata cidadania americana, com todos os direitos, entre os quais o de morrer em Bagdá e ser enterrado com honras nacionais.
Todas essas coisas aconteceram, como diria o nosso sempre citado Shakespeare, no reino da Dinamarca, ou melhor, em Washington (DC) e circunvizinhanças.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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