UOL




São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

A derrama do PFL, o retorno

ALOIZIO MERCADANTE

A preocupação do PFL com o aumento de 1% na tributação do lucro dos bancos, explicitada em artigos nesta Folha, é natural, até porque, num regime democrático, cada partido defende os interesses dos segmentos sociais que pretende representar. O que não é natural é omitir fatos ou informações para defender posições políticas. O presidente do PFL nem sequer menciona em seus posicionamentos a derrama que seu partido protagonizou, no governo anterior.
Em meu último artigo nesta página ("A derrama do PFL", 3/9/03), destaquei o gigantesco aumento da carga tributária -de 30%- provocado pelos liberais nos últimos oito anos, o que significou, apenas em 2002, extrair da sociedade cerca de R$ 110 bilhões. Se não bastou para convencer os incautos, relato abaixo a cronologia da derrama pefelista, que se abateu sobre a população, em especial sobre a classe média, incluindo os profissionais liberais que esse partido, agora, diz defender.
A primeira elevação da carga foi perpetrada contra as pessoas físicas em 1996, quando foram reduzidas as deduções do IR referentes às despesas com educação. Nesse mesmo ano, foi elevada de 15% para 20% a alíquota do IR sobre as aplicações de renda fixa. Mais: a manutenção do limite de isenção em termos nominais durante vários anos significou, de fato, o aumento da carga tributária sobre todos, inclusive segmentos de menores rendas antes isentos. As empresas também receberam o seu quinhão. Em 1996 limitou-se a 30% do lucro real o abatimento da renda tributável de prejuízos apurados em balanços anteriores. O mesmo passou a valer para a CSLL, que é uma espécie de adicional sobre o IR. No ano seguinte, tal contribuição deixou de ser deduzida para fins de cálculo do lucro tributável das pessoas jurídicas.


Se quiséssemos aumentar impostos, poderíamos fazê-lo por decreto, como fazia o governo anterior


O ano de 1996 é um marco. Nele é instituída a CPMF, uma versão pouco inovadora do antigo imposto de denominação similar, cuja alíquota inicial de 0,20% foi elevada, em 1999, para 0,38%. Como se não bastasse, em 1998 foi aumentada em 50% a alíquota da Cofins, passando a abranger todas as receitas da pessoa jurídica, independentemente do tipo de atividade por ela exercida. Finalmente, em 2001 foi instituída a Cide, relembrando o antigo Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes.
Não é de estranhar, então, que a carga tributária global tenha aumentado o equivalente a oito pontos percentuais do PIB durante o governo do PFL. O mesmo governo que provocou a maior centralização da história tributária recente, agravando a situação fiscal e financeira dos Estados e municípios, ao aumentar o peso das contribuições não partilhadas na arrecadação total, e comprometendo a competitividade da nossa economia com o aumento desmedido da tributação em cascata. O mesmo governo que vendeu 76% do patrimônio público e levou o endividamento fiscal a um nível sem precedente, fazendo com que a dívida mobiliária federal passasse de R$ 61,5 bilhões, em fins de 1994, para R$ 623,2 bilhões em dezembro.
Além disso, o presidente do PFL tergiversa na abordagem das mudanças promovidas pelo atual governo. É falso, por exemplo, que tenha aumentado significativamente a carga tributária sobre os profissionais liberais. Os que declaram como pessoas jurídicas, com base no lucro presumido -os únicos afetados pela mudança na base de cálculo da CSLL-, continuam tendo uma carga tributária bem inferior aos demais. Para um mesmo nível de rendimentos -por exemplo, R$ 150 mil anuais-, essas empresas teriam uma alíquota efetiva de 11,3% (contra 9,5% antes), muito inferior tanto à dos profissionais liberais autônomos (14,6%), quanto, principalmente, à dos assalariados (19,5%). O que se busca é a isonomia tributária.
Também é falso que a proposta de reforma tributária apresentada pelo governo Lula, negociada com todos os governadores e aprovada por ampla maioria da Câmara, preveja "o aumento de dezenas de impostos", como afirma o presidente desse partido. Não há nada na proposta que avalize essa conclusão.
É bom não esquecer que a ampliação da carga tributária na gestão do PFL foi acompanhada da elevação dos compromissos de gastos governamentais, particularmente na esfera financeira, que restringem a margem de manobra do atual governo e impedem a redução da carga neste momento.
Nesse quadro, a política do atual governo está orientada para a desoneração da produção e das exportações, a desburocratização e simplificação do processo arrecadatório, a obtenção de uma distribuição mais justa da carga tributária e a reconstrução do pacto federativo. Se quiséssemos aumentar impostos, poderíamos fazê-lo por decreto, como fazia o governo anterior.
Portanto os partidos políticos estão convocados para um debate qualificado, e não para malabarismos semânticos e manobras demagógicas que pouco contribuem com o esclarecimento da opinião pública e o avanço da reforma. A amplitude do gesto político do presidente Lula e de todos os governadores, que prevaleceu nas conversações em torno das reformas previdenciária e tributária, deve ser resgatada.
O PFL, com humildade, poderia fazer a autocrítica, reconhecendo o endividamento que patrocinou e sua responsabilidade na elevação de 30% da carga de impostos nos últimos oito anos, e contribuir com a busca de uma saída viável para a reforma tributária.

Aloizio Mercadante Oliva, 49, economista, professor licenciado da PUC e da Unicamp, é o líder do governo no Senado Federal.
(www.mercadante.com.br)



Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Evelyn Berg Ioschpe: O novo Brasil de sempre

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.