São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003 |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES O novo Brasil de sempre
EVELYN BERG IOSCHPE
A conquista de legitimidade levou ao aprofundamento das relações horizontais: é preciso gerar comitês, conselhos, forças-tarefas, debates com o público e o que mais se puder imaginar para criar o que Tarso Genro está chamando de consertação social e que, num primeiro momento, respondia pelo título um tanto altissonante de "pacto social". Novo é o pressuposto desta elite dirigente (sim, trata-se da elite dirigente) de que é possível, sim, estabelecer com os cidadãos um nível de confiança que dê lastro à governabilidade. O Brasil vivencia historicamente um baixo nível de confiança entre pessoas e instituições que se expressa na desfaçatez com que o clientelismo é praticado. Os políticos, ao trocarem convicções por cargos, estão dizendo que, entre eles, não há confiança numa confiança no projeto de nação. Cada qual defende o seu quinhão de acesso ao poder. A baixa confiança que vem acompanhando nossa história explica a passividade e o conformismo que nos acostumamos a identificar como traços constitutivos de nossa nacionalidade. O indivíduo que não tem confiança nas instituições internalizou a idéia de que a crítica é inútil, pois não será ouvida e, portanto, não tem eficácia; de que as instituições são dominadas por grupos auto-referenciais que funcionam tendo como razão de ser não o bem comum, mas a perpetuação de seus privilégios. O que o país de Lula tem de novo é o esforço para emplacar uma cultura da confiança, e isso não é pouco. Se políticos, empresários, trabalhadores, acadêmicos, intelectuais, artistas e estudantes chegarem a acreditar que podem depositar confiança uns nos outros, o que equivale a dizer que todos podem depositar confiança no desejo de todos -construir um país melhor para todos-, estará criado o que o sociólogo americano James Coleman chama de capital social, o único que não se gasta com o uso. O conceito diz respeito à capacidade de as pessoas trabalharem juntas, visando objetivos comuns a partir de uma confiança fundamental no compartilhamento desses objetivos. Como explica Antonio Carlos Gomes da Costa, o teórico do terceiro setor, para florescer e dar frutos, o capital social precisa de uma cultura de confiança que se traduza na prática cotidiana da cooperação. O inverso também é verdadeiro: fisiologismo, clientelismo, burocracia, formalismo e passividade precisam ser entendidos como entraves para chegar lá. A mudança de padrão cultural é, possivelmente, a mais lenta de todos as mudanças. O ser humano é complexo e movido por impulsos egoístas que visam a sua autopreservação. Esse comportamento só será substituído por um impulso altruísta se o indivíduo aprender que, por meio da colaboração, poderá chegar a melhores resultados. O Brasil de Lula oferece uma oportunidade rara. Ao deslocar antigas oligarquias e certezas, apresenta um olhar novo sobre o de sempre. É uma janela de oportunidade: as pessoas são as mesmas, o mesmo milho cresce no campo, os mesmos buracos na estrada. Só que tudo isso foi colocado em perspectiva e a platéia subiu ao palco. Num átimo, a janela se fechará novamente. Basta que os cargos voltem a ser loteados, que os poderosos de ocasião utilizem a instituição com o objetivo primeiro de engordar o seu patrimônio pessoal para que cada um se volte sobre seu quintal para garantir única e exclusivamente sua própria plantação. E que esse capital social incipiente gerado pela solidariedade dos novos tempos se esvaia nas dobras do Brasil de sempre. Evelyn Berg Ioschpe, 54, socióloga e jornalista, é presidente da Fundação Ioschpe e do Instituto Arte na Escola. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Aloizio Mercadante: A derrama do PFL, o retorno Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
|