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TENDÊNCIAS/DEBATES
O voto deveria ser facultativo?
SIM
A liberdade democrática de não votar
IVES GANDRA MARTINS
O artigo 14, parágrafo 1º, inciso I
da Constituição Federal contém a
seguinte dicção:
"Art. 14 - A soberania popular será
exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual
para todos e, nos termos da lei, mediante: (...) Par. 1º - O alistamento eleitoral
e o voto são:
I. obrigatórios para os maiores de 18
anos...".
A Constituição brasileira hospedou a
doutrina de Sieyés, que admite ser o ato
de votar uma função que deve ser rigorosamente exigida, sob pena de sanção,
e não, como queria Rousseau, um democrático direito do cidadão.
Celso Ribeiro Bastos e José Afonso da
Silva defendem tese semelhante, qual
seja, a do direito público subjetivo, que
configura um direito que é também um
dever. Vale dizer, o direito de votar seria, ao mesmo tempo, um dever perante
o Estado.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, todavia, considera o voto obrigatório um
malefício à democracia.
Tenho para mim que a posição do
eminente catedrático de direito constitucional da USP é a correta.
Tornar o voto obrigatório é, indiscutivelmente, exigir que o cidadão escolha
entre candidatos que não lhe agradem,
obrigando-o a comparecer às urnas, nada obstante o desapreço pelas imposições partidárias dos postulantes ao cargo eletivo.
Dir-se-á que tem a faculdade de votar
em branco ou anular seu voto. Ora, se o
eleitor pode protestar votando em branco ou anulando seu voto, por que impingir-lhe a obrigação de comparecer às
urnas, para dizer que não quer votar em
nenhum daqueles candidatos indicados
pelas quase sempre fechadas convenções partidárias?
Nesses casos, por que não adotar a solução de países com maior tradição democrática que o Brasil, em que o voto é
facultativo? Na maioria das verdadeiras
democracias, nesta matéria, a liberdade
é absoluta.
É de lembrar que o Brasil não tem partidos políticos. Os partidos ideológicos
mudam suas convicções de acordo com
os marqueteiros da ocasião e os parlamentares mudam de partidos de acordo
com as suas conveniências, nem sempre
de possível revelação. Na maioria das
vezes, praticam verdadeiro estelionato
eleitoral, pois carregam os votos de outros candidatos dos partidos que os elegeram e que não conseguiram o coeficiente eleitoral daquela agremiação para receber um mandato popular.
Parlamentarista convicto que sou -e,
nos regimes parlamentaristas, o voto
não é obrigatório, na grande maioria
das nações-, considero que o país não
tem partidos políticos. Essa realidade
poderia ser alterada se se adotasse o regime parlamentar, visto que propicia o
governo da "responsabilidade a prazo
incerto", enquanto o presidencialismo é
o governo da "irresponsabilidade a prazo certo", sem mecanismos não-traumáticos para as substituições dos incompetentes ou corruptos.
Ora, convivendo o país com frágeis estruturas partidárias -normalmente
dominadas por alguns "donos" permanentes e permanentes candidatos, assim como por políticos peregrinos pelas
variadas siglas nacionais, que se multiplicam além do limite da razoabilidade-, restaria ao brasileiro o consolo de
que, vivendo numa democracia, apesar
da "aeticidade" dos detentores do poder, sua liberdade de escolha implicaria,
inclusive, seu direito de não votar, se
houvesse emenda à Constituição nesse
sentido.
Não vejo, pois, por que essa liberdade
de dizer não, de não concordar com os
nomes apresentados, de se opor às preferências partidárias tenha que ser suprimida, e imposta "ditatorialmente" a
obrigação de votar, sob pena de sanção,
em verdadeiro atentado à liberdade democrática.
Que se siga o exemplo de nações mais
estáveis democraticamente, como os
Estados Unidos, em que o voto não é
obrigatório e a liberdade de votar em
branco ou anular o voto é exercida pelo
não-comparecimento às urnas.
Ives Gandra da Silva Martins, 67, advogado
tributarista, é professor emérito das universidades Mackenzie e Paulista e da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército.
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