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TENDÊNCIAS/DEBATES
O voto deveria ser facultativo?
NÃO
Voto para evitar a exclusão política
CARLOS MIGUEL AIDAR
Os brasileiros vivem a normalidade democrática, mas o papel
histórico do voto compulsório precisa
ser realçado. Continua a funcionar como um instrumento para a educação
política dos brasileiros, especialmente
em um país com tantas desigualdades,
onde o sentido pleno da cidadania nem
sempre é compreendido e a formação
política da população é precária.
Com o voto facultativo, corremos o
risco de transformar o Brasil em uma
democracia ainda mais elitizada, na
qual a exclusão do povo se dá por comodismo ou desinformação. A parcela da
população que não teria motivação para
votar, caso não fosse obrigada, é a formada por cidadãos com mais baixa renda e escolaridade.
A apatia política, portanto, ainda é um
mal a ser combatido no Brasil, a começar pelo exercício do voto, levando o
eleitor a refletir por que seu interesse na
política se restringe a um só dia, quando
a decisão terá reflexos sobre sua vida e
seu trabalho. Sem dúvida, é essa a parcela da população que mais se expõe às
falsas promessas e ao ilusionismo das
campanhas eleitorais. Minar o voto de
cabresto e fechar os currais eleitorais no
Brasil também parecia difícil, mas seu
combate pelo voto consciente vem demonstrando resultados animadores.
O desinteresse do eleitorado nas eleições pode ser atribuído à falta de educação política. O eleitor não sabe mensurar o custo da exclusão política. Desconhece que é seu o poder que concede,
temporariamente, a terceiros, um mandato. Em consequência, a qualidade dos
representantes não cresce no ritmo desejado.
Ademais, a escolha acaba recaindo em
candidatos não compromissados com
suas demandas. De acordo com o Banco Mundial, a reversão da pobreza por
parte dos excluídos está diretamente
voltada à sua capacidade de determinar
ou influenciar as políticas públicas. Assim, a exclusão política conduz fatalmente à exclusão social e econômica.
Outra causa é o processo eleitoral, responsável pela precária representatividade. Nesse aspecto, a norma consagrada
de "um eleitor, um voto" acaba sendo
conspurcada entre nós. Fôssemos igualar o voto que um paulista dá a um voto
que o goiano concede a seus representantes, São Paulo teria 129 representantes na Câmara Federal. Se o voto do
paulista tivesse a mesma importância
que o voto de um cidadão de Roraima, a
bancada paulista seria de 984 deputados. São Paulo tem apenas 70 deputados. Ou seja, a população acaba sendo
sub-representada.
Outro aspecto é o desinteresse pela
eleição proporcional. A eleição para
presidente da República mobiliza mais
o eleitorado porque simboliza a confluência do sentimento nacional. Isso
não ocorre com as eleições proporcionais. O presidente reúne as expectativas
de mudanças sociais, econômicas e políticas da população. Do seu lado, os deputados federais e estaduais são candidatos distantes, com propostas mais diluídas e difíceis de conhecer e cobrar.
Pela sua importância, a eleição para o
Legislativo, constitucionalmente responsável pela elaboração das leis, perde
visibilidade e passa longe das discussões
que despertam a população para uma
escolha consciente.
A grande sequela da apatia política é o
voto da indiferença, que, diferentemente do voto de protesto, não tem o sentido da irreverência, da ironia.
O voto de protesto contra a qualidade
da representação parlamentar, por
exemplo, sempre teve lugar na história
eleitoral do país, sendo representado
pelo sufrágio em "candidatos" pitorescos, como o rinoceronte Cacareco, em
1959, para a Câmara Municipal de São
Paulo, ou o macaco Tião para prefeito
do Rio de Janeiro, em 1988. Diante das
limitações impostas pela urna eletrônica, resta a quem quer protestar o recurso dos votos nulo ou branco, que, este
ano, foram menos, na demonstração de
maior interesse do eleitor.
O voto da indiferença tem um forte
significado. Nestas eleições viabilizou,
pelas regras da eleição proporcional,
que cinco candidatos paulistas fossem
beneficiados com mandatos na Câmara
Federal, a despeito de terem obtido número irrisório de votos, em detrimento
de outros candidatos, que receberam
dezenas de milhares. Esse fato deve
inaugurar uma forte discussão sobre a
lei do coeficiente eleitoral.
Diante das distorções que se apresentam no espectro político-eleitoral, a alternativa mais viável é a da educação
política, que tem no voto obrigatório
uma base de apoio. Além do voto obrigatório, urge promover a reforma político-partidária, questão que sempre
vem à tona durante as eleições e que
acaba esquecida, concluído o pleito.
Defendemos o fim da legislação que
permite a criação de siglas sem representatividade e sem ideologia, originadas por conveniências regionais e interesses de pequenos grupos. A fidelidade
partidária é outro aspecto que reforça a
consolidação do voto consciente, porque evitará o troca-troca partidário e as
traições aos eleitores. Por último, o financiamento partidário precisa ser
mais transparente e controlado.
Terceiro maior colégio eleitoral do
mundo, só superado por Estados Unidos e Índia, o Brasil ainda padece por
registrar uma grande massa de eleitores
que não sabem traduzir fielmente suas
aspirações e necessidades. A nossa convicção é a de que, até alcançarmos um
patamar elevado de educação política, o
voto obrigatório se fará necessário.
Carlos Miguel Aidar, 54, advogado, é presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.
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