|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NELSON MOTTA
Escárnios e escórcios
RIO DE JANEIRO - A última estratégia de sobrevivência de Renan
Calheiros é escarafunchar a vida
dos senadores que insistem em julgá-lo e investigar os seus parentes e
amigos em busca de sujeiras capazes de provar, não a sua inocência,
mas a sua tese: ninguém ali tem autoridade moral para condená-lo.
Uma tese que honra, eleva e consola
o Senado que ele presidia.
Sabe-se que cerca de um terço
dos senadores são donos, direta ou
indiretamente, de emissoras de rádio e televisão, arma tradicional dos
políticos brasileiros, concessões dadas pelos diversos governos em troca de outras concessões, políticas e
fisiológicas. Será que isso os desqualifica para julgar e condenar um
colega que comprou -com laranjas
e dinheiro de origem duvidosa-
uma rádio e um jornal em Alagoas?
"Eu odeio a hipocrisia, é a mentira da mentira". A frase não é nem
poderia ser de nenhum político
brasileiro, mas do filósofo carioca
Tim Maia, certamente o mais indicado para dar embasamento acadêmico à tese renanziana. Ou à sua
antítese: ninguém mais qualificado
para julgar bandidos do que outros
bandidos, experts no ramo, mais difíceis de enganar do que os juízes
honestos.
Entre chantagens, intimidações e
coações, o Senado chafurda na lama. Seu ex-presidente não pode
sair às ruas em nenhum lugar do
Brasil, fora Murici, sem ouvir escárnios e escórcios. Nem seu ex-líder
Collor foi tão esculachado e desmoralizado na mídia conservadora ou
progressista; nenhum político, nem
Severino ou Maluf, foi tão ridicularizado por humoristas e cartunistas. Quase chega a dar pena.
O corolário da tese calheiro-gramsciana da "culpa coletiva" e da
"desqualificação moral" de seus julgadores é que, se alguém como ele
pôde presidir o Senado do Brasil,
então tudo é permitido.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Tradução: renúncia Próximo Texto: José Sarney: O STF deve avançar Índice
|