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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Lamentável manifesto

No terceiro ano do século 21, um pequeno grupo de "jacobinos" eleitos pelo Partido dos Trabalhadores deu à luz mais um "manifesto"! Ele condena a renovação do acordo que o Brasil vem mantendo com o FMI desde 1998 e que nos salvou do "default" duas vezes. A primeira foi em 1998, em plena campanha eleitoral, quando a interferência do Departamento do Tesouro dos EUA (contra a vontade da Alemanha, da França e do Japão) permitiu a reeleição de FHC. Provavelmente, salvou o Brasil da enorme confusão que teria sido a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva naquele momento. Basta ler as barbaridades do programa com que o PT se apresentou àquela eleição para compreender que ele não estava preparado para o poder. A nação entendeu isso e o pleito foi resolvido facilmente no primeiro turno. Os "jacobinos" até hoje não entenderam isso...
A eleição de Lula em 2002 não foi a eleição do PT arcaico, mas a de um novo PT, cujo programa (redigido inicialmente pelo então deputado Antonio Palocci) foi consagrado pelo futuro presidente na famosa "Carta aos Brasileiros". Trata-se de um claro exemplo de como o acidente constrói a história. Tenho muito poucas dúvidas de que, se o programa eleitoral do PT de 2002 fosse o que parecia estar sendo gestado pela equipe do prefeito Celso Daniel, muito dificilmente a "esperança superasse o medo". O oportunismo jacobino e o seu conforto espiritual foi fingir aceitar o "novo programa" expresso na "Carta aos Brasileiros". Lula não teria mudado: o "novo Lula" era apenas para inglês ver... Quando chegasse ao poder, desenterraria, no campo da política econômica, os conceitos arqueológicos que têm, sistematicamente, orientado o inconsistente discurso jacobino. Na verdade, o "esquerdismo" de Lula não mudou, como mostra o seu empenho com os programas sociais e a sua mobilização da sociedade para um desenvolvimento econômico mais equânime. O que mudou foi a sua percepção de que a arcaica política econômica de todos os "socialistas", mesmo os mais sofisticados e com grande capacidade de sobrevivência (como Mitterand), levaria, mais dia, menos dia, ao mais trágico fracasso. A probabilidade de "crash" quase imediato é muito maior nos países como o Brasil, metido no mais cruel endividamento. Não adianta citar como contra-exemplos a China e a Índia porque: 1º) elas vêm fazendo o percurso inverso da economia centralizada e regulamentada sonhada pelos jacobinos para uma economia de mercado com ênfase na abertura comercial e 2º) elas nunca estiveram na armadilha do endividamento.
É lamentável que não se entenda que o FMI é um clube do qual participamos desde a fundação. Ele se destina não a produzir a desgraça dos países, mas a auxiliá-los a superar as dificuldades do seu balanço de pagamentos. Em 2002, pela segunda vez, ele foi importante para que houvesse uma sucessão civilizada. Mais incrível ainda é a afirmação jacobina de que o "superávit primário" é uma invenção do FMI para reduzir os gastos com os "excluídos"! A dimensão do "superávit primário" é uma exigência da aritmética: sem ele, a relação dívida pública/PIB seria insustentável, o que provavelmente aumentaria o número de "excluídos".


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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