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CARLOS HEITOR CONY
"A Bagaceira" e "O Quinze"
RIO DE JANEIRO - Após a sessão de
saudade dedicada a Rachel de Queiroz na ABL, o mestre Celso Furtado
consultou-me, em sua humildade de
intelectual cinco estrelas, sobre o lugar-comum que atribui a seu conterrâneo, José Américo de Almeida, com
o romance "A Bagaceira", de 1928, o
início do ciclo regional nordestino de
nossa literatura.
Eu havia dito, na minha ligeira intervenção, que o ciclo teve começo
com "O Quinze", de Rachel, e não
com a obra do Zé Américo. É evidente que, durante a sessão, não houve
espaço nem conveniência para explicação mais detalhada. Limitei-me a
dizer que "A Bagaceira" é regionalista em termos -somente em tema,
não em linguagem- e que literatura
nunca é tema, é linguagem.
A prosa de Zé Américo é até anterior à da Semana de Arte Moderna,
de 1922, anterior à de Lima Barreto e
até mesmo à de Machado de Assis,
um autor basicamente do século 19.
Rachel foi realmente a primeira regionalista. O livro de Zé Américo seria pioneiro do ponto de vista sociológico, mas tivemos obras anteriores
com a temática social e regional em
primeiro plano, mas sem a linguagem correspondente.
Basta lembrar que as parábolas de
Cristo são todas regionais. Renan
chega a declarar que os Evangelhos
são um auto pastoril, com suas histórias de joio e de trigo, de ovelhas perdidas, de filhos pródigos, de samaritanos, de figueiras sem frutos, de cântaros com água e vinho, de candeias
sem azeite e searas douradas, de trabalhadores de undécima hora, de
campos semeados. Todas as imagens
e parábolas do cristianismo inicial
são regionais, não chegam a ser regionalistas.
A temática não faz de "A Bagaceira" um livro que possa ser considerado modernista. O mesmo ocorre com
"Canaã", de Graça Aranha. Num pólo oposto, a temática de Guimarães
Rosa é quinhentista quase, quase medieval. Mas sua linguagem é uma referência do mais moderno de nossa
literatura.
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