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CLAUDIA ANTUNES
Palpites de má-fé
RIO DE JANEIRO - Em entrevista na Casa Branca, ao lado de Bush, Lula
pede o fim da pena de morte nos Estados Unidos. Adverte que as leis antiterrorismo podem transformar o
país anfitrião num Estado policial e,
para culminar, gaba-se de superioridade moral sobre o presidente americano, que assumiu o cargo numa
eleição marcada por fraudes.
Alguém imaginaria uma cena dessas? Pois é, então por que tem gente
querendo que Lula critique em Damasco a ditadura síria ou que ataque
em Havana a pena de morte contra
opositores do regime que sequestraram barcos? Poderia parecer bonito,
mas seria pouco digno -já que o
Brasil não tem cacife para sair distribuindo críticas à política interna de
todos os países indistintamente.
A ordem internacional é baseada
na soberania dos Estados. É uma ordem estreita, porque coloca a supremacia estatal acima dos direitos individuais à vida e à liberdade, e imperfeita, porque o grau de soberania
efetivamente exercida é dado pelo
poder econômico e militar dos países.
Mas nela o princípio da não-intervenção e o direito à defesa diante da
agressão ainda são as únicas proteções das nações mais fracas.
A articulação transnacional da sociedade civil, a consagração da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tribunais para crimes de
guerra têm feito avançar as discussões sobre o direito à intervenção humanitária, que colocaria a soberania
individual acima da estatal. Por razões óbvias, não há acordo sobre o tema, muitas vezes usado para promover interesses nacionais particulares.
O Brasil, que é signatário das mais
importantes convenções humanitárias, aceita inspeções da ONU e aderiu ao Tribunal Penal Internacional
(coisa que os EUA, a China e Israel,
entre outros, não fizeram), pode usar
sua influência possível em favor da
democracia e dos direitos humanos
nos países mais próximos e nos fóruns internacionais. Mas não pode
quebrar o princípio da não-intervenção, sob risco de também ser alvo de
julgamentos morais interessados. É
má-fé dar palpites em contrário.
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