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São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Palpites de má-fé

RIO DE JANEIRO - Em entrevista na Casa Branca, ao lado de Bush, Lula pede o fim da pena de morte nos Estados Unidos. Adverte que as leis antiterrorismo podem transformar o país anfitrião num Estado policial e, para culminar, gaba-se de superioridade moral sobre o presidente americano, que assumiu o cargo numa eleição marcada por fraudes.
Alguém imaginaria uma cena dessas? Pois é, então por que tem gente querendo que Lula critique em Damasco a ditadura síria ou que ataque em Havana a pena de morte contra opositores do regime que sequestraram barcos? Poderia parecer bonito, mas seria pouco digno -já que o Brasil não tem cacife para sair distribuindo críticas à política interna de todos os países indistintamente.
A ordem internacional é baseada na soberania dos Estados. É uma ordem estreita, porque coloca a supremacia estatal acima dos direitos individuais à vida e à liberdade, e imperfeita, porque o grau de soberania efetivamente exercida é dado pelo poder econômico e militar dos países. Mas nela o princípio da não-intervenção e o direito à defesa diante da agressão ainda são as únicas proteções das nações mais fracas.
A articulação transnacional da sociedade civil, a consagração da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os tribunais para crimes de guerra têm feito avançar as discussões sobre o direito à intervenção humanitária, que colocaria a soberania individual acima da estatal. Por razões óbvias, não há acordo sobre o tema, muitas vezes usado para promover interesses nacionais particulares.
O Brasil, que é signatário das mais importantes convenções humanitárias, aceita inspeções da ONU e aderiu ao Tribunal Penal Internacional (coisa que os EUA, a China e Israel, entre outros, não fizeram), pode usar sua influência possível em favor da democracia e dos direitos humanos nos países mais próximos e nos fóruns internacionais. Mas não pode quebrar o princípio da não-intervenção, sob risco de também ser alvo de julgamentos morais interessados. É má-fé dar palpites em contrário.


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