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São Paulo, sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

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JOSÉ SARNEY

Zoológico fantástico

Com esse tema, Jorge Luís Borges publicou um livro sensacional, que nada tem a ver com os bichos da Terra. Eram os dele bem mais fascinantes do que os nossos.
Continuo na fase bichos que me despertou o jumento que promoveu aquele atentado no hotel VIP de Bagdá, onde os novos "despreiteiros" do Iraque estão hospedados.
Depois passei pela bela bandeja com um peru de festa que Bush dizia ter ido comer quente em Bagdá. Agora já se sabe, porque o repórter do "Washington Post" revelou, que a ave não era verdadeira nem iraquiana, era um produzido peru de anúncio de Natal, feito de plástico, fabricado por uma firma dos EUA para enfeitar vitrine de refeições de fim de ano, comprado pela agência de publicidade encarregada de fazer a "ceia de Ação de Graças" do presidente dos Estados Unidos com seus soldados no Iraque. O peru era tão falso quanto as orações.
Agora sou surpreendido com a inusitada crise de gafanhotos que se abateu sobre Roraima. Os gafanhotos mais célebres da história da humanidade foram os do Egito ao tempo da fuga dos hebreus, quando José desvendou os sonhos das sete pragas, inclusive a de gafanhotos. Só que os do Egito comiam trigo, o trigo dos vales férteis do Nilo, agora visitados pelo presidente Lula; os nossos estão comendo o pouco dinheiro que Roraima recebe para minorar a vida dos sofridos habitantes daquelas plagas. Os ianomâmis, a conhecida tribo da região, estudada por ser um agrupamento humano dos mais primitivos descobertos pelos cientistas sociais, verdadeiros fósseis antropológicos, não só não tinham o poder estruturado como se alimentavam de borboletas e gafanhotos. Em vez de os ianomâmis comerem gafanhotos são os gafanhotos que estão comendo os ianomâmis e o tesouro de Roraima. O governador passado é responsabilizado pela "praga"; o atual diz desconhecer tudo e pede que se "esfrie" o assunto, que não pode ser agitado em meio dos campos de centeio.
Para atormentar-me mais nessa mania de bichos, apareceu uma arara em meu quintal -não se sabe de onde veio-, ave de estimação de algum vizinho. Pois bem, quando a vi, gritei "arara" e ela estridentemente respondeu "arara". Deve ter pensado que eu era muito burro, pois via uma arara e não sabia que era arara e ela tinha de me explicar "arara". E repeti: "arara". E ela me ensinava, bronco que eu era, "arara".
Vou caminhando nos bichos e vejo a notícia de que o gorila albino do zoológico de Barcelona estava com câncer e foi feito com ele aquilo que repudiamos quando querem fazer com os humanos: eutanásia. Mataram o gorila por dois motivos: primeiro, estava velho e doente; segundo, sendo gorila albino, durante sua longa vida fora incapaz de fazer filhos albinos, todos nasciam gorilas normais, quando os cientistas queriam que ele produzisse gerações de gorilas brancos. Não os fez -não por impotência, mas por motivos genéticos.
Para concluir minha fase, leio que a década de 90 travou a expansão da economia brasileira justamente pela falta de investimentos. Como o gorila, não foi por falta de dinheiro, que tinha muito, das privatizações, e foi engolido pela especulação, mas pela esterilidade de investidores.
Que bicho teria sido esse dos anos 90? O Elio Gaspari o identificaria logo como um baita estagnossauro, cruzamento de ekipekonômica, embromalina e especulatódio.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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