|
Próximo Texto | Índice
Editoriais
editoriais@uol.com.br
Censura rediviva
Ao manter veto contra "O Estado de S. Paulo", o Supremo desconsidera a liberdade de expressão e o direito à informação
CAUSA PROFUNDA perplexidade a decisão do Supremo Tribunal Federal, mantendo a censura
que há 134 dias se abate sobre o
jornal "O Estado de S. Paulo".
Prendendo-se a pormenores
processuais, o Supremo perdeu a
oportunidade de reiterar o princípio básico da liberdade de expressão, recentemente reafirmado no acórdão que aboliu a Lei de
Imprensa no país. Não haveria,
no entender da maioria dos ministros, relação direta entre a extinção da Lei de Imprensa e as
decisões censórias do Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e
Territórios, contra as quais o jornal se insurgia.
Com isso, o Supremo falhou na
sua atribuição básica -a de ser
guardião do texto constitucional.
Na Carta de 1988, está plenamente estabelecido o princípio
da liberdade de expressão. Trata-se de uma prerrogativa que não
contempla exceções nem meios
termos. Ou existe censura no
país -e foi isso o que se decidiu
no STF-, ou não existe.
A plena liberdade de imprensa
não equivale, cumpre ressaltar, à
irresponsabilidade e à impunidade dos órgãos de comunicação.
Preveem-se sanções legais a todo
procedimento que implique invasão descabida da privacidade,
calúnia, injúria ou difamação.
Há uma diferença essencial,
por isso mesmo, entre censura
prévia e punição aos delitos de
imprensa. A censura pressupõe
prejulgamento: determinada
instância do Estado se considera
autorizada a decidir aquilo que
os cidadãos podem escrever, dizer, ler ou ouvir. Impõe-se a tutela sobre o conjunto da sociedade,
e não mais a correção de ilegalidades eventualmente cometidas.
Foi este, lamentavelmente, o
espírito que prevaleceu no STF.
Pode-se considerar, sem dúvida,
que um empresário às voltas
com investigações da PF tenha
interesse em se ver preservado
das manchetes de jornal. Cabem-lhe, neste caso, os recursos
previstos na legislação. Em nenhuma hipótese, contudo, uma
situação desse tipo permite anular um preceito constitucional.
A Constituição foi, na prática,
considerada letra morta pela
maioria dos ministros do STF.
Para o presidente do tribunal,
ministro Gilmar Mendes, a Justiça tem o poder de impedir a publicação de reportagens que possam ferir os direitos de alguém à
privacidade ou a honra pessoal.
Mas o nome de providências desse gênero é, queira-se ou não, o
de censura prévia.
Numa acrobacia conceitual
próxima do "nonsense", o ministro Eros Grau discorreu sobre a
diferença entre o "censor", que
não estaria limitado por nenhuma lei, e o órgão judicial que a
aplica: "Aí não há censura. Há
aplicação da lei".
Está aberto, portanto, o caminho para qualquer censura, travestida em "aplicação da lei" -e
um princípio básico da democracia se vê violentado pelos humores, pela subjetividade e pelo arbítrio de magistrados. Por mais
respeitáveis que sejam suas decisões, não podem colocar-se acima da Constituição -e foi isso o
que se viu, numa decisão desastrosa, na última quinta-feira.
Próximo Texto: Editoriais: Investimento em alta
Índice
|