São Paulo, sábado, 12 de dezembro de 2009

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Censura rediviva

Ao manter veto contra "O Estado de S. Paulo", o Supremo desconsidera a liberdade de expressão e o direito à informação

CAUSA PROFUNDA perplexidade a decisão do Supremo Tribunal Federal, mantendo a censura que há 134 dias se abate sobre o jornal "O Estado de S. Paulo".
Prendendo-se a pormenores processuais, o Supremo perdeu a oportunidade de reiterar o princípio básico da liberdade de expressão, recentemente reafirmado no acórdão que aboliu a Lei de Imprensa no país. Não haveria, no entender da maioria dos ministros, relação direta entre a extinção da Lei de Imprensa e as decisões censórias do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, contra as quais o jornal se insurgia.
Com isso, o Supremo falhou na sua atribuição básica -a de ser guardião do texto constitucional. Na Carta de 1988, está plenamente estabelecido o princípio da liberdade de expressão. Trata-se de uma prerrogativa que não contempla exceções nem meios termos. Ou existe censura no país -e foi isso o que se decidiu no STF-, ou não existe.
A plena liberdade de imprensa não equivale, cumpre ressaltar, à irresponsabilidade e à impunidade dos órgãos de comunicação. Preveem-se sanções legais a todo procedimento que implique invasão descabida da privacidade, calúnia, injúria ou difamação.
Há uma diferença essencial, por isso mesmo, entre censura prévia e punição aos delitos de imprensa. A censura pressupõe prejulgamento: determinada instância do Estado se considera autorizada a decidir aquilo que os cidadãos podem escrever, dizer, ler ou ouvir. Impõe-se a tutela sobre o conjunto da sociedade, e não mais a correção de ilegalidades eventualmente cometidas.
Foi este, lamentavelmente, o espírito que prevaleceu no STF. Pode-se considerar, sem dúvida, que um empresário às voltas com investigações da PF tenha interesse em se ver preservado das manchetes de jornal. Cabem-lhe, neste caso, os recursos previstos na legislação. Em nenhuma hipótese, contudo, uma situação desse tipo permite anular um preceito constitucional.
A Constituição foi, na prática, considerada letra morta pela maioria dos ministros do STF. Para o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, a Justiça tem o poder de impedir a publicação de reportagens que possam ferir os direitos de alguém à privacidade ou a honra pessoal. Mas o nome de providências desse gênero é, queira-se ou não, o de censura prévia.
Numa acrobacia conceitual próxima do "nonsense", o ministro Eros Grau discorreu sobre a diferença entre o "censor", que não estaria limitado por nenhuma lei, e o órgão judicial que a aplica: "Aí não há censura. Há aplicação da lei".
Está aberto, portanto, o caminho para qualquer censura, travestida em "aplicação da lei" -e um princípio básico da democracia se vê violentado pelos humores, pela subjetividade e pelo arbítrio de magistrados. Por mais respeitáveis que sejam suas decisões, não podem colocar-se acima da Constituição -e foi isso o que se viu, numa decisão desastrosa, na última quinta-feira.


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