São Paulo, terça, 13 de janeiro de 1998.



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"El Niño" no orçamento ambiental



Insistir em que o trato das questões ambientais deve esperar é tratar a matéria de forma setorial
JOSÉ SARNEY FILHO

Neste momento de crise, toda a atenção tem-se voltada para a movimentação desenfreada do capital nos mercados e o estrago que ela tem causado, em uma época de globalização da economia. O cuidado com o ambiente que nos cerca passou a ser considerado ainda mais supérfluo.
Não se deve perder de vista, no entanto, que as edificações, quando abandonadas, costumam encontrar o destino da corrosão. Portanto, adotando esse tipo de postura, corre-se o risco de, aplacados os ânimos do capital, a casa começar a desmoronar, soterrando seus habitantes ainda com as calculadoras nas mãos.
Assim é que a crise das Bolsas de Valores vem assenhoreando-se da atenção de todos, fazendo parecer insignificante, por exemplo, o infeliz resultado da conferência de Kyoto, em que os índices de redução nas emissões de gases poluentes acordados ficaram muito abaixo dos necessários à contenção do aquecimento global, estando ainda ameaçados pelo governo dos EUA, que ameaça não ratificá-los.
Ouvidos os reclames do setor financeiro, domado poderá ficar, mesmo que momentaneamente, o monstro do descontrole dos capitais voláteis, vilões da dita economia globalizada. Despertado, por sua vez, poderá ficar o monstro do descontrole dos fenômenos ambientais, a começar pelos climáticos.
O vigor com que o fenômeno "El Niño" tem se exibido é uma prova mais que avassaladora de que o desequilíbrio ambiental desconhece fronteiras e mercados e que, embora possa não afetar as ondas de transmissão que determinam a migração de capitais "em tempo real", pode determinar o arrasamento de investimentos produtivos, aumentando ainda mais o contingente de excluídos do mercado globalizado.
O mesmo cenário repete-se em escala doméstica, e a prioridade da salvação da economia sobre a salvação do ambiente também é aqui utilizada para justificar a impossibilidade de execução das ações necessárias para a implementação da Agenda 21 nacional.
Assim, a superestimação inconteste do pacote de ajustes baixado pelo governo pode acabar camuflando a magnitude do prejuízo de mais cortes ainda no orçamento do Ministério do Meio Ambiente, principalmente nas rubricas que visam à implementação do desenvolvimento sustentável.
Para este ano, o governo está anunciando a possibilidade de corte na ordem de 29% nos gastos do Orçamento Geral da União para a área de meio ambiente.
Outro problema também verificado na proposta orçamentária do ministério é a diminuição de recursos para áreas operacionais e o evidente crescimento deles na área de planejamento. Estamos, na verdade -e não só na área ambiental-, nos transformando num país abarrotado de papéis. Os planos e discursos abundam; a prática definha a olhos vistos.
Entendo que continuar adiando os investimentos imprescindíveis ao correto gerenciamento de nossos bens ambientais e à execução de uma "Agenda 21" nacional, com a desculpa de antes equilibrar nossa economia, é balela.
Primeiramente, porque nosso equilíbrio não independe da crise mundial e a não-regulamentação do turismo que faz com que o capital especulativo pelo mundo continue mantendo o Brasil, assim como os outros países ditos emergentes, vulnerável e sujeito a outros terremotos.
Em segundo lugar, insistir em que o trato das questões ambientais deve esperar é tratar a matéria de forma setorial e desvinculada da situação econômica e social do país, o que contraria as posições assumidas na Rio-92 e continuamente repetidas nos discursos presidenciais da ONU e noutros fóruns, nos quais interessa prestar contas ao mundo do gerenciamento que nos cabe de um patrimônio que é de toda a humanidade.
Usado como melhor convém, o meio ambiente não é considerado infra-estrutural ao ponto de receber parte dos investimentos destinados a tornar o Brasil competitivo no mercado globalizado. Nem é, tampouco, considerado social o suficiente para ser poupado dos cortes no orçamento necessários ao ajuste proposto pelo governo.
Percebendo esse contra-senso, nós, da Frente Parlamentar Ambientalista para o Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, procuraremos agir, dentro de nossas prerrogativas parlamentares, para que não sejam efetuados ainda mais cortes no já exíguo orçamento do Ministério do Meio Ambiente.
A julgar pelo rumo que nossa civilização tem dado à nave-mãe, parece ser cada vez mais inconcebível considerar marginal a questão ambiental na discussão dos rumos de nossa economia, uma vez que os limites impostos pela pressionada capacidade de suporte do ambiente da Terra são bastante concretos e apontam para a necessária revisão dos padrões de consumo, tocando, dessa forma, no coração do modelo econômico atual.
Assim, voltando à metáfora anterior, o tempo já está se tornando ínfimo para que sejam introduzidas as teclas dos custos ambientais nas calculadoras dos habitantes daquela casa, antes do iminente desabamento.
José Sarney Filho, 40, é deputado federal pelo PFL do Maranhão e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista para o Desenvolvimento Sustentável.



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