São Paulo, terça, 13 de janeiro de 1998.



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Maluf e as "Mil e Uma Noites"



Sei do impacto que este alerta terá para algumas pessoas de nossa colônia, que poderão até passar a ter-me como desafeto
EMERSON KAPAZ

Uma das obras-primas da literatura universal são os contos das "Mil e Uma Noites". Maravilhosas narrativas da tradição árabe têm sido contadas por séculos, encantando gerações com exemplos de sagacidade, bravura, modéstia e outros valores universais da humanidade.
Sou paulistano, filho de pais brasileiros de origem sírio-libanesa. Cresci em meio a uma comunidade que -como tantas outras- muito se orgulha da contribuição que têm dado ao desenvolvimento do nosso país.
Um dos filhos da colônia sírio-libanesa no Brasil, o sr. Paulo Maluf, estará disputando neste ano o governo do Estado de São Paulo, com o já declarado objetivo de se lançar candidato à Presidência da República. O solo paulista será, pois, palco de uma batalha eleitoral que poderá mudar os destinos da nação.
Mas estariam presentes no sr. Maluf aqueles valores que honraram nossos ancestrais no passado, assim como ainda honram a nossa colônia no presente?
Na verdade, o ex-prefeito foi um empresário de sucesso, um empreendedor. Sua passagem pela vida pública, porém, legou um rastro de notícias de escândalos, obras superfaturadas, favorecimentos políticos e malversação de recursos públicos, que em nada envaidece os sírio-libaneses.
O fascínio pela construção de grandes avenidas, estradas e viadutos se desvanece quando tomamos conhecimento da desproporcionalidade do seu custo. Nem Ramsés 2º, em toda a sua glória, ousaria pagar, por quilômetro de uma avenida, um valor superior ao quilômetro pago na construção do túnel submarino que liga a França à Inglaterra. Não foi essa, entretanto, a lógica perversa do sr. Paulo Maluf na construção da avenida Águas Espraiadas.
Seguidor do nefasto princípio que -seja reconhecido- foi criado pelo ex-governador Orestes Quércia, o sr. Paulo Maluf não teve escrúpulos em quebrar as finanças públicas para fazer seu sucessor. E hoje, sem os recursos desviados dos precatórios, as obras paradas do Cingapura, o descuido das ruas e das praças e a imobilidade do PAS compõem o devastador cenário de uma cidade por todos considerada em abandono.
Até mesmo para o pagamento dos funcionários e da coleta de lixo, a nova administração municipal precisou recorrer a empréstimos, além de ejetar para o ano 2002 os recursos constitucionalmente destinados à educação.
Não é essa a ética que aprendemos com os nossos ancestrais, muito menos a que desejamos transmitir aos nossos filhos.
Hoje, depois de uma experiência político-empresarial que se soma aos três anos de vivência dentro de um governo voltado à reconstrução econômica e moral do Estado de São Paulo, faço um alerta à sociedade em geral -mas, muito particularmente, à comunidade em que se enraízam minhas origens e na qual colhi incontáveis exemplos de dignidade e rígidos critérios de moralidade: as práticas do sr. Maluf não se coadunam com as exigências de modernização e avanço do país.
Uma recente pesquisa, feita entre os dias 18 e 20 de dezembro passado na Grande São Paulo e divulgada há alguns dias, dá a exata dimensão do que pensa a população sobre o político Maluf. Quando indagados sobre quanto confiaram no ex-prefeito, 17% responderam confiar muito, contra 83% que declararam confiar pouco ou nada. Além do mais, 86% disseram ser ele pouco ou nada honesto. É essa pessoa que queremos ver administrando os mais de R$ 30 bilhões do Orçamento do Estado de São Paulo?
Sei do impacto que este alerta terá para algumas pessoas de nossa colônia, que poderão até passar a ter-me como desafeto. Mas sei, também, que é eticamente indispensável que nos manifestemos. Chega de hipocrisia.
É hora de pensarmos neste país, que tão generosamente acolheu nossos pais e avós, oferecendo-lhes incontáveis oportunidades, mas que, principalmente, assegurou-lhes plenos direitos de cidadania. É hora de afirmar que os exemplos que queremos legar às futuras gerações estão dentro das mais belas e edificantes páginas das "Mil e Uma Noites". Com o sr. Paulo Maluf, entretanto, estaremos apenas mais próximos de viver um conto do gênero "Ali Babá e os 40 Ladrões".
Emerson Kapaz, 42, é secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo.



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