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São Paulo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Concertação e conselhos

TARSO GENRO

As democracias modernas do Ocidente têm uma larga tradição de "conselhismo", no sentido amplo do termo, ou seja, de funcionamento daqueles organismos de participação direta, ordinariamente de caráter consultivo ou para funções especializadas. Sua finalidade é operar junto ao Estado com o objetivo de colaboração ou mesmo de certo controle da administração pública. Este último tipo de conselho é ordinariamente previsto na Constituição ou em lei especial e tem a forma de "conselho administrativo".
França, África do Sul, Áustria, Itália, Espanha, Holanda e Portugal são alguns dos países que têm conselhos de natureza econômico-social ou com funções de concertação política. Eles cumprem funções mais ou menos relevantes na mediação do debate dos grandes temas públicos ou, até mesmo, em intricadas "questões de Estado". Seu sentido maior é ajudar e promover o desenvolvimento econômico-social da nação.
Na origem desses conselhos, está a necessidade de criar um marco institucional para dar visibilidade -de forma direta- a diferenciados temas de amplo interesse social. Em regra, eles nem têm a capacidade de enquadramento de nenhuma autoridade pública nas suas decisões. Operam como "janelas de escuta" do Poder Executivo ou dos demais Poderes. Buscam produzir "ajustes" de natureza política para dar maior vigor e consequência à democracia.
As funções dos conselhos não são idênticas, já que o seu surgimento sempre obedeceu à tradição constitucional de cada um dos países e respondeu a crises em situações políticas de natureza diversa, que exigiam alto espírito de negociação dos atores políticos. Assim, o surgimento dos conselhos sempre foi uma forma de aprimoramento da vida democrática em momentos especiais da vida republicana.
O surgimento do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social no Brasil, por determinação do presidente da República -com o objetivo imediato de discutir reformas e "costurar" processualmente um "novo contrato social"-, causou alguma apreensão. Em alguns, por motivos ideológicos; em outros, por desaviso. Em mais alguns, por desconhecimento de que essa é uma instituição comum nos países com vida democrática mais consolidada.


O conselho responde à necessidade de sempre relegitimar o Executivo, o cenário ideal das democracias avançadas


A proposta de concertação, que está no centro da visão defendida pelo governo do presidente Lula, não é um convite à abdicação dos interesses legítimos das corporações, dos grupos ou das classes sociais. Aliás, isso seria uma ingenuidade ou um maquiavelismo primário, incompatível com uma democracia verdadeiramente pluralista e aberta. Nossa proposta de concertação visa localizar os pontos comuns mínimos, que os diversos setores sociais estão dispostos a aceitar como fundamentais, para que o país dê um soberano e vigoroso passo adiante -sem semear a ilusão de que conseguiremos uma "união nacional", na qual os sujeitos políticos perdem as suas identidades, e a sociedade, dividida, aparece como falsamente pacificada.
Existem, porém, na história de qualquer sociedade, conflitos que podem ser eliminados pelo diálogo e outros que só podem ser solucionados por longas e custosas pendências históricas -aquelas que só se resolvem pela derrota de uma das partes em conflito. Mas o que está no centro da nossa visão de proporcionar ao país um "novo contrato social" é a sugestão de que, quanto maior for o número de disputas resolvidas pelo diálogo, menos violentas e antidemocráticas serão as soluções daqueles conflitos mais "duros", que sempre atravessam qualquer democracia.
Um dos enigmas mais difíceis da vida política contemporânea é aquele que nos coloca a interrogação de como devemos proceder para, permanentemente, revigorar as grandes instituições que construíram a experiência moderna do Estado democrático de Direito. A relação do povo com o Parlamento, cuja origem está na Revolução Gloriosa (1688), e a inferência de que o povo está presente no Parlamento continuam sendo um conceito vital para a democracia. Assim mesmo, os Legislativos ouvem o povo seguidamente, constituem suas comissões externas, promovem seminários e conferências para firmar suas convicções, o que é exemplar.
O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social responde, também, a essa necessidade de relegitimação permanente do Executivo, que é o ideal das democracias avançadas. E é um instrumento da concertação social, por meio do qual o presidente forma seu juízo político, escuta a sociedade e busca sempre patamares superiores de conhecimento da vontade pública para propor as reformas que mudarão o Brasil.

Tarso Genro, 55, advogado, é secretário-executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Foi prefeito de Porto Alegre (1993-96 e 2001-02) e deputado federal (1989-90).


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