São Paulo, Sábado, 13 de Fevereiro de 1999
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A atitude dos governadores de oposição favorece o diálogo com o presidente?

SIM
Respeito ao pacto federativo

RONALDO LESSA

É indispensável incluir na agenda nacional o debate em torno das dificuldades vividas pelos Estados. As interligações entre a União e seus entes federativos revelam a impossibilidade de isolar os problemas, pois as contradições que estão aflorando no atual momento de crise do modelo econômico brasileiro exigem reflexões e medidas que assegurem uma relação de harmonia e cooperação entre o governo federal e as unidades da Federação.
Se o Estado vai mal, os reflexos atingem de frente a União. Logicamente, o inverso é verdadeiro. Interessa ao país que essa discussão produza efeito positivo e descortine para o cidadão o papel que o poder público deve realmente desempenhar em nosso meio.
Daí por que firmo minha posição: mesmo compondo um espectro de forças partidárias oponentes à base de sustentação política do governo central, estimulei a formação do fórum de governadores para sistematizar um dos símbolos das relações democráticas, que é a existência do diálogo tolerante e propositivo. Ora, o presidente Fernando Henrique Cardoso ainda corrigiu a rota em tempo hábil, ao delegar a três ministros de reconhecido prestígio a tarefa de receber a comissão de governadores de oposição e retomar as conversações acerca do estrangulamento financeiro vivido pelos Estados.
Apesar das diferenças e do dispensável exagero interpretativo imposto à "Carta de Porto Alegre" por prestigiosos assessores governamentais, a essência contida nos nove pontos do documento sugere um cordial e civilizado confronto de opiniões.
Nos detalhes das entrelinhas está embutida a mesma angústia expressa no manifesto dos governadores do campo governista, que se reuniram há pouco no Maranhão. Eis a razão pela qual o debate reclama urgência, pois a conjuntura exige providências simultâneas de todas as escalas de poder.
Mesmo reconhecendo as peculiaridades que norteiam cada esfera, cujas medidas a adotar diferem em intensidade e características, a agenda do ajuste deve envolver Legislativo, Judiciário e Executivo. As ilhas de fartura, tão generosamente subsidiadas pelo bolso popular, são incompatíveis com a cidadania. Considero que o governo federal e o Congresso têm a responsabilidade de colocar a engrenagem desse debate em funcionamento, já que o teto salarial nem sequer chegou a ser definido.
E, por falar em ajuste, devo dizer que Alagoas já detonou esse processo. Na verdade, ele começou num passado recente, quando o governo federal realizou uma "intervenção branca" e até acompanhou a dispensa de mais de 20 mil servidores públicos, por meio de programa de demissões voluntárias. Os abusos do passado, produzidos por um coronelato político irresponsável, geraram uma crise dentro da já existente. É por isso que o novo governo começa reivindicando um mínimo de oxigênio para desencadear o verdadeiro ajuste.
A herança recebida é amarga: Alagoas tem mais de 76% de analfabetos funcionais na faixa acima de 14 anos. Além disso, 52% do total da população não sabe ler nem escrever. A mortalidade infantil interiorana supera todos os indicadores; e são alagoanos sete dos dez municípios detentores dos mais alarmantes índices de desenvolvimento humano, segundo critério estabelecido por organismos das Nações Unidas.
Encontrei a máquina pública sucateada. Do total de delegacias do interior, só duas possuíam telefone. No setor público agrícola, 90% dos alimentos consumidos pela população são importados de outros Estados.
É por isso que falo em ajuste social e estou defendendo, em Brasília, a inversão da pauta. Alagoas tem uma dívida pública astronômica e está comprometendo 15% de sua receita para pagá-la. Queremos discutir alternativas para esse nó financeiro, ressaltando que o dever de casa está sendo feito.
Como exemplo, cito as gestões para a viabilização de um novo sistema previdenciário, cujos inativos consomem hoje 41% da folha de pagamento. Além disso, estou auditando todos os contratos públicos, para acabar com possíveis superfaturamentos de obras contratadas no passado.
Tenho certeza de que muitos dos meus colegas governadores estão trilhando, dentro de suas realidades, o caminho da austeridade administrativa. Independentemente das deformações ocorridas pelos desencontros de opiniões, é preciso destacar como positivo o fato de o país começar a avaliar a saúde das suas entranhas. Está na hora de voltar os olhos para dentro e enxergar nosso povo.
O fórum geral dos governadores, com a participação do presidente, é relevante para refletirmos sobre o papel dos Estados diante da fragilidade da política econômica nacional e do respeito ao significado do pacto federativo.


Ronaldo Lessa, 49, engenheiro civil, é governador do Estado de Alagoas pelo PSB.



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