UOL




São Paulo, quinta-feira, 13 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Ética, responsabilidade e as palavras

ALBERTO SILVEIRA RODRIGUES

Desde a Antiguidade sabe-se que o ser humano nem sempre usa o dom da palavra com sabedoria. Um provérbio chinês diz que "há três coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida". Assim, não quero deixar passar a oportunidade de falar sobre esse assunto e alertar a todos sobre o poder dado às palavras dos criminosos, que pode chegar às raias do absurdo.
Segundo Roberto Alves dos Santos, capitão da PM, "para construir uma imagem, leva-se uma vida. Para mantê-la, uma eternidade. Para perdê-la, alguns segundos. Recuperá-la, talvez nunca mais". Singelas, essas frases dimensionam a importância da imagem e, infelizmente, a base frágil de sua sustentação.
De caráter pessoal ou institucional, idealizamos a nossa confiabilidade ou o nosso descrédito conforme o que vemos ou nos é apresentado, exigindo, portanto, um posicionamento ético, cauteloso e, indubitavelmente, profissional daqueles que formam opiniões ou são responsáveis por sua difusão.
Nesse contexto, questiona-se o papel dos meios de comunicação e, não raramente, o posicionamento de pessoas públicas, cujo relevo serve de modelo de comportamento para muitos seguidores. Constantemente, deparamos com matérias jornalísticas que chocam a opinião pública, como, por exemplo, a pena de morte decretada pelo submundo do crime ao jornalista Tim Lopes, assaltos com fugas espetaculares, além de uma infinidade de delitos marcados pela malevolência humana.
A mídia divulga com destaque essas ocorrências. Entretanto, em alguns casos, "o holofote" sobre o criminoso consegue transformá-lo em mito ou até mesmo em herói. Vejamos: Leonardo Pareja foi mitificado; o "bandido da luz vermelha" teve sua história retratada até em revistas em quadrinhos; o "maníaco do parque", Francisco de Assis Pereira, é recordista de cartas amorosas no sistema prisional; Fernandinho Beira-Mar tem a presença garantida nos periódicos, rádio e televisão.
O bandido virando mocinho. Uma total inversão de valores. Que "retidão invejável" possuem os criminosos!
Os heróis que preservam a ordem pública, arriscando suas vidas para tirar de circulação marginais de alta periculosidade ou salvar indefesos cidadãos, nem sequer são retratados e, quando o são, sem o mesmo enfoque ou repercussão.
Mas o pior não é isso. Que dizer quando profissionais, no embate diário contra o crime, têm sua imagem questionada ou vilipendiada pelos próprios criminosos? E o mais nefasto, são precoce e prematuramente penitenciados pelos meios de comunicação e/ou por pessoas públicas que, arvorando-se na defesa desses "confiáveis cidadãos" à margem da lei, sem a necessária precaução, criam juízo de valor e jogam a honra de homens de bem no lodo da maledicência. Pergunto-me, novamente, que força têm as palavras de pessoas mal-intencionadas.


À mídia cabe enorme responsabilidade social e ela deve se ater, sempre, à qualidade ética, expressão de cidadania


Recentemente, dentre tantos exemplos similares, um capitão da Polícia Militar foi pré-julgado e "condenado", tendo contra si apenas o testemunho de um delinquente cujas referências o descredenciariam em qualquer setor da atividade humana. Flagrantemente, direitos constitucionais foram violados. Institutos como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal foram simplesmente desconsiderados.
Como refazer a imagem de uma carreira impecável apenas com uma mera retratação? Como reequilibrar o seio familiar e social abalado pela avalanche impiedosa e perniciosa da comunicação? Como reestruturar um ser humano após ele, pela vergonha e impotência diante do poder dos meios de comunicação, ter sido jogado no ostracismo?
Toda a sociedade sente-se atingida e enfraquecida diante da força nefasta das palavras dos infratores da lei.
Respostas para isso, talvez somente os articulistas possam dar. O dr. Ives Gandra, com muita propriedade, disse que "é notório que o principal "tribunal" desfigurador da imagem das pessoas é a imprensa. Uma acusação veiculada pela mídia, em primeira página, substitui a "presunção da inocência", mesmo que a pessoa não seja culpada, impedindo, assim, que sua imagem seja um dia plenamente recuperada ("Responsabilidade administrativa", Folha, pág. A3, 28/12/ 02). À mídia cabe enorme responsabilidade social e ela deve se ater, sempre, à qualidade ética, expressão de cidadania. A dignidade da pessoa humana prevalece sobre a liberdade de imprensa, sobretudo num país como o nosso Brasil, em que a democracia solidária implica direitos e deveres e em que o império da lei é exercido "erga omnis".
O oportunismo e o imediatismo da informação ou da opinião não podem estar acima da ética e da ponderação. Levar informação, em um jornalismo sério, implica culto à ética profissional, que em hipótese nenhuma subjuga a ética cidadã.
Assim, conclamo todos a uma reflexão sobre o assunto. Retirar, sumariamente, a credibilidade das autoridades constituídas e atribuir tal poder a marginais, dando visibilidade exagerada às suas palavras, contribui para a segurança pública, para a prevenção da criminalidade e para a paz social?

Alberto Silveira Rodrigues, 51, coronel da Polícia Militar de São Paulo, é o comandante-geral da corporação.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Jorge Boaventura: Qual será o perdedor na guerra iminente?
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.