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TENDÊNCIAS/DEBATES
Ética, responsabilidade e as palavras
ALBERTO SILVEIRA RODRIGUES
Desde a Antiguidade sabe-se que o
ser humano nem sempre usa o
dom da palavra com sabedoria. Um
provérbio chinês diz que "há três coisas
que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida". Assim, não quero deixar
passar a oportunidade de falar sobre esse assunto e alertar a todos sobre o poder dado às palavras dos criminosos,
que pode chegar às raias do absurdo.
Segundo Roberto Alves dos Santos,
capitão da PM, "para construir uma
imagem, leva-se uma vida. Para mantê-la, uma eternidade. Para perdê-la, alguns segundos. Recuperá-la, talvez
nunca mais". Singelas, essas frases dimensionam a importância da imagem
e, infelizmente, a base frágil de sua sustentação.
De caráter pessoal ou institucional,
idealizamos a nossa confiabilidade ou o
nosso descrédito conforme o que vemos ou nos é apresentado, exigindo,
portanto, um posicionamento ético,
cauteloso e, indubitavelmente, profissional daqueles que formam opiniões
ou são responsáveis por sua difusão.
Nesse contexto, questiona-se o papel
dos meios de comunicação e, não raramente, o posicionamento de pessoas
públicas, cujo relevo serve de modelo de
comportamento para muitos seguidores. Constantemente, deparamos com
matérias jornalísticas que chocam a
opinião pública, como, por exemplo, a
pena de morte decretada pelo submundo do crime ao jornalista Tim Lopes, assaltos com fugas espetaculares, além de
uma infinidade de delitos marcados pela malevolência humana.
A mídia divulga com destaque essas
ocorrências. Entretanto, em alguns casos, "o holofote" sobre o criminoso consegue transformá-lo em mito ou até
mesmo em herói. Vejamos: Leonardo
Pareja foi mitificado; o "bandido da luz
vermelha" teve sua história retratada
até em revistas em quadrinhos; o "maníaco do parque", Francisco de Assis
Pereira, é recordista de cartas amorosas
no sistema prisional; Fernandinho Beira-Mar tem a presença garantida nos
periódicos, rádio e televisão.
O bandido virando mocinho. Uma total inversão de valores. Que "retidão invejável" possuem os criminosos!
Os heróis que preservam a ordem pública, arriscando suas vidas para tirar de
circulação marginais de alta periculosidade ou salvar indefesos cidadãos, nem
sequer são retratados e, quando o são,
sem o mesmo enfoque ou repercussão.
Mas o pior não é isso. Que dizer quando profissionais, no embate diário contra o crime, têm sua imagem questionada ou vilipendiada pelos próprios criminosos? E o mais nefasto, são precoce
e prematuramente penitenciados pelos
meios de comunicação e/ou por pessoas
públicas que, arvorando-se na defesa
desses "confiáveis cidadãos" à margem
da lei, sem a necessária precaução,
criam juízo de valor e jogam a honra de
homens de bem no lodo da maledicência. Pergunto-me, novamente, que força
têm as palavras de pessoas mal-intencionadas.
À mídia cabe enorme responsabilidade social e ela deve se ater, sempre, à qualidade ética, expressão de cidadania
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Recentemente, dentre tantos exemplos similares, um capitão da Polícia
Militar foi pré-julgado e "condenado",
tendo contra si apenas o testemunho de
um delinquente cujas referências o descredenciariam em qualquer setor da atividade humana. Flagrantemente, direitos constitucionais foram violados. Institutos como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal foram
simplesmente desconsiderados.
Como refazer a imagem de uma carreira impecável apenas com uma mera
retratação? Como reequilibrar o seio familiar e social abalado pela avalanche
impiedosa e perniciosa da comunicação? Como reestruturar um ser humano
após ele, pela vergonha e impotência
diante do poder dos meios de comunicação, ter sido jogado no ostracismo?
Toda a sociedade sente-se atingida e
enfraquecida diante da força nefasta das
palavras dos infratores da lei.
Respostas para isso, talvez somente os
articulistas possam dar. O dr. Ives Gandra, com muita propriedade, disse que
"é notório que o principal "tribunal" desfigurador da imagem das pessoas é a
imprensa. Uma acusação veiculada pela
mídia, em primeira página, substitui a
"presunção da inocência", mesmo que a
pessoa não seja culpada, impedindo, assim, que sua imagem seja um dia plenamente recuperada ("Responsabilidade
administrativa", Folha, pág. A3, 28/12/
02). À mídia cabe enorme responsabilidade social e ela deve se ater, sempre, à
qualidade ética, expressão de cidadania.
A dignidade da pessoa humana prevalece sobre a liberdade de imprensa, sobretudo num país como o nosso Brasil, em
que a democracia solidária implica direitos e deveres e em que o império da
lei é exercido "erga omnis".
O oportunismo e o imediatismo da informação ou da opinião não podem estar acima da ética e da ponderação. Levar informação, em um jornalismo sério, implica culto à ética profissional,
que em hipótese nenhuma subjuga a
ética cidadã.
Assim, conclamo todos a uma reflexão sobre o assunto. Retirar, sumariamente, a credibilidade das autoridades
constituídas e atribuir tal poder a marginais, dando visibilidade exagerada às
suas palavras, contribui para a segurança pública, para a prevenção da criminalidade e para a paz social?
Alberto Silveira Rodrigues, 51, coronel da Polícia Militar de São Paulo, é o comandante-geral da corporação.
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