São Paulo, quarta-feira, 13 de abril de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Editoriais

editoriais@uol.com.br

Intolerância à francesa

A França, berço da tríade de valores modernos de liberdade, igualdade e fraternidade, deu passo temerário ao proibir o uso, em espaços públicos, de véus que cubram totalmente o rosto. Trata-se de uma manifestação de intolerância difícil de reconciliar com os valores que a nação francesa veio a representar no mundo.
Na prática, a proibição criminaliza o porte de indumentárias tradicionais em alguns grupos muçulmanos, como o niqab (que deixa só os olhos à mostra) e a burca (que os mantém cobertos por uma tela). A legislação adotada em 2010 entrou em vigor nesta semana e já motivou a aplicação de uma multa de cerca de R$ 340.
A lei interdita o uso de vestimentas que impeçam a identificação da pessoa, sob o pretexto de que essa dissimulação pode favorecer comportamentos suscetíveis de perturbar a ordem pública. Vale para ruas, parques, escolas, repartições, bibliotecas, hospitais, delegacias e ginásios de esporte. Domicílios, veículos particulares e locais de culto ficam excetuados.
Nesse grau de generalidade, a lei se aplicaria a qualquer acessório -como máscaras ou capacetes- que oculte o rosto. A intenção de discriminar muçulmanas transparece quando se considera a exceção feita na lei: máscaras usadas no contexto de festas, manifestações artísticas ou procissões religiosas, "desde que se revistam de caráter tradicional".
Cristãos, portanto, podem cobrir o rosto no Carnaval, no Halloween ou em procissões. Muçulmanas, no dia a dia, não -ainda que a peça seja de uso tradicional.
O argumento da obrigatoriedade de identificação é ponderável. A própria legislação admite que a identidade seja confirmada em recinto policial. A imposição de multa, porém, parece abusiva.
A roupa e o uso de adereços -como crucifixos ou outros símbolos religiosos- deveriam ser considerados parte integrante do direito à expressão da personalidade, o que inclui a fé. Decerto que em muitos casos o uso do véu é imposto pela família e pode ser um símbolo de sujeição da mulher, mas basta uma que o faça por vontade própria para que a lei resulte em violação de seus direitos.
A medida extrema só encontra explicação no sentimento xenófobo que se dissemina pela França. Vem a calhar para o presidente Nicolas Sarkozy, que parece disposto a tudo para melhorar seus índices de popularidade.


Texto Anterior: Editoriais: Avanços em Pequim
Próximo Texto: São Paulo - Fernando de Barros e Silva: "Não é fácil"
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.