São Paulo, segunda-feira, 13 de maio de 2002

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BORIS FAUSTO

Terceira idade

Uma série de decepções e temores, para não dizer terrores, cerca os contingentes cada vez mais numerosos da terceira idade.
Falando da experiência pessoal, lembro-me de um curto diálogo -e já lá vão vários anos- que travei com uma bilheteira de cinema quando, pela primeira vez, usei a regalia da meia-entrada para os idosos. Contendo certo desconforto, pedi meia e acrescentei: "Quer um documento?" A moça, do alto de sua engaiolada juventude, respondeu implacável: "Não precisa".
Há porém coisas piores, ligadas à consciência da finitude, de que os jovens desdenham embalados na ilusão de imortalidade. Querem um exemplo? Há alguns meses, precisamente em 9 de novembro de 2001, esta Folha publicou uma reportagem de Erika Palomino sobre o 20º aniversário de um restaurante paulistano, com um título arrasador: "O que você vai fazer daqui a 20 anos?" Dispenso-me da resposta óbvia, em respeito a meus companheiros de idade.
Mas, se não há remédio para a finitude, surgem aqui e ali algumas fontes de consolo. É o caso de uma entrevista do dr. Ivan Izquierdo ("O Estado de São Paulo", 5 de maio de 2002) , professor de Neuroquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, falando dos esquecimentos, aquele "me deu um branco", que os idosos atribuem à idade provecta
Deduzo do que afirma o dr. Izquierdo que o esquecimento não decorre necessariamente do passar dos anos, da "obra da natureza", como algumas almas compreensivas preferem eufemisticamente dizer. Segundo o especialista, entre outros fatores, os lapsos de memória podem resultar de um excesso de informações, característico da sociedade contemporânea. Diante dessa enxurrada, o cérebro seleciona o que recebe, retendo o importante e deletando o lixo.
A argumentação é muito sedutora, mas fiquei na dúvida a respeito da capacidade distintiva da nossa atividade cerebral. O cérebro agiria com a mesma qualidade volitiva que alguns de nós demonstram quando deletam, na tela do computador, a publicidade sem freios, os avisos aterrorizantes sobre os vírus que rondam nossa vida eletrônica, as piadinhas preconceituosas contra negros, árabes, judeus ou argentinos?
Não sei dizer. De minha parte, lembro de muita coisa inútil, ou que deixou de ser relevante, como por exemplo, o número de telefone (53780, para quem duvide) da primeira casa em que morei. É bem verdade que me lembro também de coisas gloriosas, como a escalação do time do Corinthians, campeão paulista de 1941. (Por falta de espaço, não dou a escalação completa, mas uma dica: a "linha média", como então se dizia, era formada por três imortais, cujos nomes o torcedor corintiano deveria gravar: Jango, Brandão e Dino).
No presente, acontece a mesma coisa. Gravo bobagens ou insignificâncias que nos assaltam de todos os lados e me olvido de coisas importantes que não deveria olvidar. Aliás, tinha encontrado um fecho bonito para estas linhas, mas me esqueci. Vai ver que não era tão bonito assim e o cérebro acabou cumprindo sua nobre missão censória.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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