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BORIS FAUSTO
Terceira idade
Uma série de decepções e temores, para não dizer terrores, cerca
os contingentes cada vez mais numerosos da terceira idade.
Falando da experiência pessoal,
lembro-me de um curto diálogo -e já
lá vão vários anos- que travei com
uma bilheteira de cinema quando, pela primeira vez, usei a regalia da meia-entrada para os idosos. Contendo certo desconforto, pedi meia e acrescentei: "Quer um documento?" A moça,
do alto de sua engaiolada juventude,
respondeu implacável: "Não precisa".
Há porém coisas piores, ligadas à
consciência da finitude, de que os jovens desdenham embalados na ilusão
de imortalidade. Querem um exemplo? Há alguns meses, precisamente
em 9 de novembro de 2001, esta Folha
publicou uma reportagem de Erika
Palomino sobre o 20º aniversário de
um restaurante paulistano, com um
título arrasador: "O que você vai fazer
daqui a 20 anos?" Dispenso-me da
resposta óbvia, em respeito a meus
companheiros de idade.
Mas, se não há remédio para a finitude, surgem aqui e ali algumas fontes
de consolo. É o caso de uma entrevista
do dr. Ivan Izquierdo ("O Estado de
São Paulo", 5 de maio de 2002) , professor de Neuroquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
falando dos esquecimentos, aquele
"me deu um branco", que os idosos
atribuem à idade provecta
Deduzo do que afirma o dr. Izquierdo que o esquecimento não decorre
necessariamente do passar dos anos,
da "obra da natureza", como algumas
almas compreensivas preferem eufemisticamente dizer. Segundo o especialista, entre outros fatores, os lapsos
de memória podem resultar de um
excesso de informações, característico da sociedade contemporânea.
Diante dessa enxurrada, o cérebro seleciona o que recebe, retendo o importante e deletando o lixo.
A argumentação é muito sedutora,
mas fiquei na dúvida a respeito da capacidade distintiva da nossa atividade
cerebral. O cérebro agiria com a mesma qualidade volitiva que alguns de
nós demonstram quando deletam, na
tela do computador, a publicidade
sem freios, os avisos aterrorizantes
sobre os vírus que rondam nossa vida
eletrônica, as piadinhas preconceituosas contra negros, árabes, judeus
ou argentinos?
Não sei dizer. De minha parte, lembro de muita coisa inútil, ou que deixou de ser relevante, como por exemplo, o número de telefone (53780, para quem duvide) da primeira casa em
que morei. É bem verdade que me
lembro também de coisas gloriosas,
como a escalação do time do Corinthians, campeão paulista de 1941. (Por
falta de espaço, não dou a escalação
completa, mas uma dica: a "linha média", como então se dizia, era formada
por três imortais, cujos nomes o torcedor corintiano deveria gravar: Jango, Brandão e Dino).
No presente, acontece a mesma coisa. Gravo bobagens ou insignificâncias que nos assaltam de todos os lados e me olvido de coisas importantes
que não deveria olvidar. Aliás, tinha
encontrado um fecho bonito para estas linhas, mas me esqueci. Vai ver
que não era tão bonito assim e o cérebro acabou cumprindo sua nobre
missão censória.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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