São Paulo, sábado, 13 de maio de 2006

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AS ILUSÕES PERDIDAS

O governo Luiz Inácio Lula da Silva aprende a duras penas a principal lição da crise diplomática com a Bolívia. O Brasil não pode sustentar a sua política externa numa rede de solidariedade retórica, em nome de uma vaga idéia de unidade sul-americana. A constrangedora dificuldade do chanceler Celso Amorim em rebater de pronto os desaforos lançados por Evo Morales atesta bem como esse tem sido um parto difícil.
O presidente boliviano, que se considera o vetor de uma "revolução" indígena no país andino, aumenta os decibéis contra o Brasil e a Petrobras com a intenção de obter maioria confortável no colegiado -a eleição está marcada para 2 de julho- que vai escrever a nova Constituição da Bolívia. A estratégia parece funcionar, atestam algumas sondagens de opinião.
Compreender os motivos de Morales não significa perdoá-lo por seus arroubos retóricos. Se a estatal brasileira foi acusada de contrabandear gás natural e de atuar na ilegalidade, é o caso de repudiar com veemência o ataque. É o caso de lembrar que a atuação da empresa brasileira se assenta em acordos com o Estado boliviano e que a Petrobras e os consumidores brasileiros vêm sustentando as exportações, a arrecadação tributária e a economia da Bolívia.
Tanto melhor se a crise redundar, como parece, no distanciamento entre a diplomacia brasileira e Hugo Chávez. A pregação do líder venezuelano pela América Latina nada acrescenta aos interesses comerciais e estratégicos do Brasil. O chefe do Estado sul-americano mais populoso e industrializado tem mais a fazer do que emprestar seu tempo e sua representatividade à diplomacia demagógica e conflituosa de Chávez. Será ótimo se o Itamaraty não tiver de gastar mais seu latim em temas etéreos como o Grande Gasoduto do Sul.
A negociação com a Bolívia sobre os termos do fornecimento de gás ao Brasil e o ressarcimento das perdas patrimoniais da Petrobras é o que mais interessa neste momento. As tratativas, da parte de Brasília, devem ser feitas em tom o mais cordial possível -não é necessário "porrete"-, mas com a firmeza de quem tem a seu favor o tamanho do mercado consumidor, do qual depende o PIB boliviano, e as condições contratuais. O recurso a tribunais internacionais não deve ser descartado.


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