São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O dia 13 de maio e um debate necessário

MARCELO CHILVARQUER e BORIS CALAZANS DOS SANTOS


Nosso país pode não ter sofrido com segregação racial tão dura quanto a americana, mas é inegável que há racismo no Brasil


A SEMANA de 13 de maio deste ano parece trazer um significado especial para a Educafro e o Centro Acadêmico XI de Agosto.
A história da relação entre as duas instituições parece, curiosamente, trazer em si interessante ilustração de aspectos das relações sociais entre negros e brancos no Brasil, onde a convivência espacial entre negros e brancos mascara a dura realidade de classes distintas e pouco harmônicas.
Separadas apenas pelo convento de São Francisco, ambas fazem da rua Riachuelo sua morada.
De um lado, uma entidade não governamental que tem como meta combater a desigualdade social e o racismo, atuando principalmente na oferta de oportunidade de acesso ao ensino superior para jovens carentes, em especial a afrodescendentes.
De outro, um dos mais tradicionais centros acadêmicos do Brasil, berço de políticos de destaque e com relevante participação na política do país. Em 2007, movimentos sociais, dentre os quais a Educafro, ocuparam o edifício histórico da Faculdade de Direito. O episódio provocou tumulto e polêmica, e acabou com a entrada da tropa de choque da Polícia Militar na faculdade, o que deixou como legado certa animosidade entre as entidades.
No entanto, o choque ocorrido no passado já está superado, embora o cenário que ocasionou a tensão continue praticamente inalterado.
A Educafro é composta quase que exclusivamente por pessoas muito pobres, de maioria negra, com história repleta de dificuldades e com um sonho em comum: ter acesso a informação, ao ensino superior de qualidade. No XI de Agosto, estão os alunos da faculdade de direito mais tradicional do país, oriundos, na maioria, de classe economicamente privilegiada, brancos em maior parte. A proximidade dá corpo e alma ao sonho e o deixa ainda mais distante.
Neste ano, no entanto, uma novidade parece abrir caminhos para os grupos. Na semana de 13 de maio, a faculdade recebe debates e eventos culturais, em parceria da Educafro com o Centro Acadêmico XI de Agosto.
Um dos principais temas a ser destacado na semana é a questão do acesso à universidade pública. A Educafro mantém-se firme em sua posição de luta pelas cotas, vistas como via necessária, atualmente, para o acesso do negro ao conhecimento e à possibilidade de pensar academicamente sobre sua condição.
Entretanto, à medida que o centro acadêmico tem como função primordial o fomento ao debate qualificado na faculdade, abrindo espaço aos diversos posicionamentos sobre a questão, mesmo àqueles que têm ponderações destoantes às da Educafro, ambas entidades não podem se furtar a dialogar e a trabalhar juntas.
A principal conquista, indubitavelmente, é o espaço para o diálogo. Foi uma oportunidade encontrada para que a Educafro tivesse espaço para ser ouvida, sem que para ser notada precisasse ocupar o local -algo que, a experiência mostra, acaba por afastar ainda mais as pautas do movimento negro dos alunos da São Francisco.
A semana de 13 de maio na Faculdade de Direito da USP é um convite à reflexão. São inúmeros os dados estatísticos que demonstram a miséria da população negra no Brasil, seu alijamento do mercado de trabalho, sua falta de acesso à informação, a marginalização de sua cultura e a perseguição que lhes impõem a coerção estatal e as próprias convenções sociais.
Aliás, nem sequer é necessária qualquer estatística. Todos conhecem as piadas humilhantes, o estereótipo padrão do criminoso brasileiro, os xingamentos.Tudo isso gera uma triste sensação, inconsciente, coletiva, de que, por alguma razão, há inferioridade em ser negro. Enfim, hoje, a maioria dos negros gozam muito pouco de seu direito de cidadania.
O diálogo visa justamente superar triste realidade que se constata no meio estudantil: o tema da discriminação racial é simplesmente ignorado pela esmagadora maioria dos alunos.
São raros os professores e alunos que refletem a fundo sobre o tema, cujos resultados costumam ser ideias superficiais, sobre uma realidade com a qual nem sequer têm contato.
Nosso país pode não ter sofrido com uma segregação racial tão dura quanto a norte-americana ou a sul-africana, mas algo é inegável: existe, sim, racismo no Brasil.
Há dura realidade a ser combatida.
O acesso desigual à universidade, a marginalização da cultura negra, a violência racial e a falta de oportunidade no mercado de trabalho são só algumas das dificuldades que a população negra enfrenta no dia a dia.
É claro que existem divergências quanto às formas de solucionar esses problemas, mas uma coisa é pacífica: o diálogo é o primeiro passo para a mudança. Somente a partir daí poderemos construir uma sociedade verdadeiramente democrática.


MARCELO CHILVARQUER, 20, é presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade representativa dos alunos da Faculdade de Direito da USP. BORIS CALAZANS DOS SANTOS, 28, é advogado colaborador da ONG Educafro, que oferece cursinhos a alunos de baixa renda.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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