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OTAVIO FRIAS FILHO
Fantasias romanas
As declarações do megaespeculador George Soros a Clóvis
Rossi deram feição nítida ao fantasma
do "mercado financeiro", entidade invisível com peso cada vez mais determinante na política. Essa entidade,
disse Soros, imporá a vitória de José
Serra, sendo a alternativa o famoso
caos. Como no tempo dos romanos,
no mundo atual só vale o voto dos
americanos.
Animado, talvez, pelo ambiente da
celebração ou embriagado por seus
investimentos no mercado de idéias,
Soros trombeteou o que seus pares,
inclusive a versão nacional, falam a
portas fechadas. O efeito de sua intervenção parece bastante nocivo ao candidato do governo, mas ele não se importa, um pouco como Nero, já que o
tema é Roma.
A metáfora dos Estados Unidos como Roma contemporânea tem aparecido cada vez com mais frequência à
medida que se consolidou sua supremacia mundial quase inconteste. Devido às imensas diferenças de época e
de grau de desenvolvimento, seu alcance como imagem é limitado, mas
nem por isso se restringe ao mais evidente: o poder imperial.
A projeção da imagem dos dois impérios também os aproxima: duas nações republicanas com vocação expansionista e beligerante; duas civilizações tidas por pragmáticas e tecnológicas, cimentadas numa língua universal e num sistema econômico e numa máquina de guerra disseminados
por todo o mundo conhecido; duas
pátrias de advogados e de imigrantes.
O argumento de que só os americanos votam, "como em Roma", talvez
mereça uma digressão. Pode-se discutir ao infinito as causas da decadência
de Roma, assunto de uma extensa e
embolorada bibliografia. Mas é certo
que ela teria ocorrido bem antes não
fosse a capacidade dos romanos de
absorver populações e de transigir
com poderes e costumes submetidos.
A cidadania romana foi estendida
primeiro aos nativos da península itálica, depois aos habitantes de outras
províncias do império; Paulo, judeu
que vivia na periferia oriental, era cidadão romano. No segundo século da
era Cristã já era normal que certos imperadores fossem originários de fora
da Itália. O império se expandiu expandindo direitos.
Os Estados Unidos têm mostrado
capacidade ainda maior de absorção
migratória: a diversidade dos grupos
que se submeteram à "mentalidade"
americana é inédita. Depois da guerra,
nos anos 50/60, os americanos estenderam sua "cidadania" à Europa, ao
Japão e a alguns pequenos países do
Extremo Oriente. Desde então, há 30
anos, esse acesso se mantém nos mesmos e acanhados limites geográficos.
Todo mundo sabe que será necessário estabelecer contrapesos ao excessivo predomínio americano e à sua contrapartida financeira no mundo da
economia. O que parece acontecer é
que a própria supremacia dessa configuração impede o surgimento de um
bloco que a contenha, pois todos disputam a primazia de alianças preferenciais com o império.
Outra semelhança, talvez, com o poder romano. Este foi cristianizado antes de a metade ocidental cair de podre
e a oriental se encastelar nas fronteiras
helenísticas. A migração não tem sido
capaz de solapar a sociedade americana por dentro, dando-lhe, ao contrário, seiva nova. Mas as ameaças externas são agora menos inofensivas que a
aldeia de Asterix.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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