São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 2006

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DEMÉTRIO MAGNOLI

As "trezentas famílias'

JOSÉ DIRCEU , o grande operador, escreveu no "Jornal do Brasil" um artigo intitulado "Os inimigos do povo", que investe contra a "elite", definida como "a oposição e grande parte da mídia". Pouco depois, num jatinho do empresário Eike Batista, viajou para a Bolívia, onde dedicou-se a sigilosa missão de tráfico de influência.
Cláudio Lembo, o governador substituto, improvisou uma furiosa invectiva contra a "elite branca" para desviar a atenção da negociação que promovia com Marcola, o chefão do PCC. Em seguida, sua polícia decretou a pena de morte e promoveu um massacre de centenas de "suspeitos", executados com tiros na nuca, na cabeça ou nas costas.
Paulo Paim, o senador petista que elaborou o Estatuto Racial, enfureceu-se com a existência de vozes discordantes e, protegido pela armadura da imunidade parlamentar, qualificou de "laranjas" (a serviço da "elite branca", é claro) os integrantes de movimentos negros signatários da carta pública contrária a seu projeto de lei. Paim fala qualquer coisa: em 2003, prometeu votar contra a reforma previdenciária de Lula até a véspera da votação, na qual alinhou-se com o Planalto.
Edward Telles, o sociólogo americano que defende a classificação racial oficial dos cidadãos, usou um boletim internacional para falsificar o título da carta pública contra as cotas raciais, denominando-a "Manifesto da Elite Branca". Ontem, escreveu na Folha um artigo no qual "justifica-se" sob o "argumento" de que recebeu uma mensagem eletrônica com esse título na linha de assunto. É uma curiosa defesa do "direito" à falsificação que tem a óbvia finalidade de reiterar o epíteto que atribuiu à carta pública.
A filósofa Hannah Arendt identificou a conexão entre os movimentos totalitários e uma modalidade específica de degradação da linguagem política. "O que inspirava os manejadores da história não era o materialismo dialético de Marx, mas a conspiração das trezentas famílias; não o pomposo cientificismo de Gobineau e de Chamberlain, mas os "Protocolos dos Sábios do Sião'; não a influência da Igreja Católica e o papel do anticlericalismo, mas a literatura clandestina sobre jesuítas e maçons. A finalidade das mais variadas e variáveis interpretações era expor uma esfera de influências secretas, das quais a realidade histórica visível era apenas uma fachada externa construída com o fim expresso de enganar o povo."
Em José Dirceu, os "traidores do proletariado" e "agentes da CIA" de Stálin renascem nos "inimigos do povo". Em Lembo, Paim e Telles, as "trezentas famílias" adquirem nova figuração histórica na "elite branca". Tempos difíceis...
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DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras nesta coluna.

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