|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DEMÉTRIO MAGNOLI
As "trezentas famílias'
JOSÉ DIRCEU , o grande operador, escreveu no "Jornal do
Brasil" um artigo intitulado "Os
inimigos do povo", que investe
contra a "elite", definida como "a
oposição e grande parte da mídia".
Pouco depois, num jatinho do empresário Eike Batista, viajou para a
Bolívia, onde dedicou-se a sigilosa
missão de tráfico de influência.
Cláudio Lembo, o governador
substituto, improvisou uma furiosa invectiva contra a "elite branca"
para desviar a atenção da negociação que promovia com Marcola, o
chefão do PCC. Em seguida, sua
polícia decretou a pena de morte e
promoveu um massacre de centenas de "suspeitos", executados
com tiros na nuca, na cabeça ou nas
costas.
Paulo Paim, o senador petista
que elaborou o Estatuto Racial, enfureceu-se com a existência de vozes discordantes e, protegido pela
armadura da imunidade parlamentar, qualificou de "laranjas" (a
serviço da "elite branca", é claro) os
integrantes de movimentos negros
signatários da carta pública contrária a seu projeto de lei. Paim fala
qualquer coisa: em 2003, prometeu votar contra a reforma previdenciária de Lula até a véspera da
votação, na qual alinhou-se com o
Planalto.
Edward Telles, o sociólogo americano que defende a classificação
racial oficial dos cidadãos, usou um
boletim internacional para falsificar o título da carta pública contra
as cotas raciais, denominando-a
"Manifesto da Elite Branca". Ontem, escreveu na Folha um artigo
no qual "justifica-se" sob o "argumento" de que recebeu uma mensagem eletrônica com esse título
na linha de assunto. É uma curiosa
defesa do "direito" à falsificação
que tem a óbvia finalidade de reiterar o epíteto que atribuiu à carta
pública.
A filósofa Hannah Arendt identificou a conexão entre os movimentos totalitários e uma modalidade específica de degradação da
linguagem política. "O que inspirava os manejadores da história não
era o materialismo dialético de
Marx, mas a conspiração das trezentas famílias; não o pomposo
cientificismo de Gobineau e de
Chamberlain, mas os "Protocolos
dos Sábios do Sião'; não a influência da Igreja Católica e o papel do
anticlericalismo, mas a literatura
clandestina sobre jesuítas e maçons. A finalidade das mais variadas e variáveis interpretações era
expor uma esfera de influências
secretas, das quais a realidade histórica visível era apenas uma fachada externa construída com o
fim expresso de enganar o povo."
Em José Dirceu, os "traidores do
proletariado" e "agentes da CIA"
de Stálin renascem nos "inimigos
do povo". Em Lembo, Paim e Telles, as "trezentas famílias" adquirem nova figuração histórica na
"elite branca". Tempos difíceis...
magnoliajato.com.br
DEMÉTRIO MAGNOLI escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Plínio Fraga: Política da falta de vontade Próximo Texto: Frases
Índice
|