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TENDÊNCIAS/DEBATES
Crime organizado, um inimigo desconhecido
TULIO KAHN
Sem indicadores adequados,
as análises sobre o crime
organizado são subjetivas e
pouco confiáveis, uma vez
que afetadas por interesses
A ONU realizou em fevereiro de 2006,
em Viena, um encontro para estudar
formas de aprimorar a coleta de dados criminais para atender as novas
convenções sobre corrupção e crime
organizado transnacional e sugerir
indicadores que fossem simples e
universalmente compreendidos para
estimar a extensão do crime organizado no mundo a fim de monitorá-lo
e propor medidas para combatê-lo.
A iniciativa derivou do art. 28 da
Convenção sobre Crime Organizado
Transnacional, que recomendou o
desenvolvimento e compartilhamento de experiências com relação às atividades criminais organizadas.
O problema é que não existem definições comuns entre os países para
estabelecer de modo inequívoco o
que seja "crime organizado". Quais
delitos podemos arrolar como "crime
organizado"? Quais os indicadores
para medir se estão crescendo ou diminuindo? Fazem sentido comparações para estabelecer onde é mais ou
menos intenso? O que o distingue de
outras formas de crime que também
têm características estruturadas, como os cometidos por gangues de rua
ou por corporações?
Concluiu-se ser inapropriado fazer
uma lista exaustiva de delitos praticados pelo crime organizado, que atua
tanto contrabandeando ébano quanto aliciando imigrantes, passando pela lavagem de dinheiro, obstrução da
Justiça, falsificação ou tráfico de drogas, armas, veículos e seres humanos.
Qualquer relação seria incompleta,
pois estamos lidando com fenômenos
criminais múltiplos e diferentes.
Na lista elaborada pelos países europeus, por exemplo, não há nenhuma menção a transporte ilegal de passageiros, extorsão por telefone ou cobrança de taxas de presos, delitos praticados por facções criminosas no
Brasil. Para complicar, em cada um
dos delitos listados, algumas etapas
do processo podem ser organizadas, e
outras, não.
A mera quantidade de organizações
criminosas atuando no país tampouco é uma medida adequada, pois desconsidera o nível de seriedade dos delitos praticados e a ameaça que eles
representam.
A própria apreciação da "seriedade" é paradoxal, já que, quanto mais
organizada uma atividade criminal,
menos violenta ela é. "Seriedade",
portanto, pode ser entendida como
risco oferecido para as instituições, e
não quantidade de mortes provocadas pela ação criminal.
Alguns especialistas defendem que
se trata de um "modo de agir", que envolve traços como hierarquia, divisão
do trabalho, contabilidade racional,
atividade permanente objetivando
lucro ilícito etc. Essas características,
porém, nem sempre são encontradas
nos casos concretos e dificultam a tipificação. Por essas razões, dos 15
Estados-membros da União Européia,
apenas oito mantinham dados específicos sobre "crime organizado", seguindo definições distintas.
A conclusão do evento, diante da
indefinição do conceito, foi a de que
indicadores devem ser desenvolvidos
por meio da identificação de traços
relevantes (markers) e medidas diretas e indiretas do fenômeno do crime
organizado (recomendação 17 - E/CN
15/2006/4).
Sem indicadores adequados, nossas
análises sobre a real extensão e ameaça representada pelo crime organizado são subjetivas e pouco confiáveis,
uma vez que afetadas por considerações políticas e interesses.
Alguns desejam superestimar o crime organizado para aumentar seu orçamento, outros, subestimá-lo para
proclamar vitórias.
O cenário eleitoral e econômico
também é oportuno para avaliações
superdimensionadas, que servem para desacreditar lideranças políticas
ou aumentar a audiência, ou então
são minoradas para evitar prejuízos
aos negócios.
Até o momento, nem a comunidade
internacional nem o Brasil conseguiram monitorar a extensão do problema, que aparentemente eclode de
surpresa, como um raio num dia de
céu azul.
Às propostas relevantes que se seguiram aos ataques, juntaram-se outras, equivocadas e inexeqüíveis, fruto do desconhecimento e de teorias
conspiratórias que sempre aparecem
na ausência de informações confiáveis.
Quero crer que seria valioso se conseguíssemos definir contra o que e
contra quem exatamente estamos
travando essa luta. Pois, enquanto os
homicídios, latrocínios, estupros e
roubos diminuíam consideravelmente no Estado, algo indefinível e mal
compreendido ocorria nos subterrâneos do mundo do crime. Algo assustador, como tudo que não conseguimos ver, analisar e controlar.
TULIO KAHN, 40, mestre e doutor em ciência política pela
USP, é coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Foi vice-chairperson do encontro da ONU em Viena, de 8 a 10 de fevereiro de 2006.
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