São Paulo, quinta-feira, 13 de julho de 2006

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Nossa herança territorial

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Devemos o território nacional a lutas armadas e a notáveis estadistas. Preservá-lo e enriquecê-lo é nossa responsabilidade

OS 8.500 milhões de km2 de nosso território nacional, 5º país mais extenso do mundo, não foram conquistados por nossos colonizadores lusitanos sem muita luta. É enorme a responsabilidade da nossa e das futuras gerações de brasileiros em preservá-lo intocado. Lembramo-nos disso agora porque vemos avolumarem-se em publicações de associações ambientalistas, antropológicas e missionárias européias e norte-americanas as referências a uma "Amazônia patrimônio da humanidade, devendo ser administrada por autoridade internacional".
Recordando a luta tenaz do império português para expandir-se para a América -recém-descoberta pelo genovês Cristóvão Colombo a serviço dos reis da Espanha-, começaremos lembrando o rei d. João 2º, conseguindo do papa Alexandre 6º o Tratado de Tordesilhas (1494), que revogava a Bula Intercoetera (1492) -que excluía Portugal da posse das terras descobertas na América.
A nova partilha, de Tordesilhas, removia o divisor entre as coroas portuguesa e espanhola para oeste, alcançando parte do nosso atual território, traçando um meridiano separador que incorporava a Portugal as terras a leste do meridiano, passando de norte a sul pelas proximidades das hoje cidades de Belém e Laguna. Assim, Portugal conquistou na América do Sul uma colônia de cerca de 2.700 milhões de km2.
Apesar de pequeno e com escassa população (cerca de 2 milhões de habitantes), as autoridades portuguesas nunca descuidaram de defender diplomaticamente e pelas armas a posse de sua colônia. Para assegurar sua posse incólume, os portugueses travaram luta armada no mar e em terra durante mais de 300 anos para expulsar invasores espanhóis, ingleses, franceses e holandeses.
A partir do século 17, os núcleos populacionais de portugueses e mamelucos formados nas faixas ligadas ao litoral em São Paulo, Pernambuco e Maranhão começaram a expandir-se em reconhecimento do interior e à procura de riquezas minerais. Foi o período épico da expansão do território, das formidáveis bandeiras paulistas, das incursões terra adentro dos pernambucanos e da conquista da Amazônia, partindo do Maranhão.
As interiorizações no território foram muito além da linha do limite colonial estabelecido em Tordesilhas. Os cerca de 2.700 kmns de Tordesilhas estavam ultrapassados de muito a norte, oeste e sul. O conflito entre as coroas de Portugal e Espanha seria inevitável.
Surgem aí as figuras extraordinárias dos estadistas Alexandre de Gusmão e Marquês de Pombal. O primeiro, com rara habilidade diplomática, conseguiu da corte de Madri a aceitação do princípio do direito romano de "uti possidetis", pertencendo a terra descoberta a quem primeiro a ocupou. Assim, pelo Tratado de Madri (1750), revogatório do de Tordesilhas, ficaram legitimadas as conquistas dos bandeirantes e sertanistas, acrescentando às terras portuguesas a enorme extensão de cerca de 5.500 milhões de km2.
Marquês de Pombal, ministro da corte lusa por 27 anos, revela, à distância, uma visão genial do espaço colonial engrandecido. Envia freqüentes instruções às autoridades locais, particularmente ao capitão-geral da Amazônia, Mendonça Furtado, seu irmão (em cuja correspondência se tratam por "meu irmão de meu coração"), insistindo na necessidade de reconhecimento dos rios Solimões, Negro e Branco, neles colocando marcos nas áreas limites, fortalecendo o aparelho defensivo e buscando nos rios Madeira e Tapajós vias de comunicação com Cuiabá, visando a articulação territorial da Amazônia com o Sul.
Ao mesmo tempo, ao capitão-geral de São Paulo, Morgado de Mateus, determinava incentivar o povoamento das regiões fronteiriças do Sul e Oeste, consolidando o território já legitimado pela habilidade diplomática de Alexandre Gusmão.
A grandeza territorial que hoje desfrutamos, que o barão do Rio Branco soube consolidar diplomaticamente, as fronteiras mal conhecidas e sujeitas a litígios, devemos a muitas lutas armadas, a sacrifícios de vida e a notáveis estadistas de um passado colonial de mais de 300 anos. Preservá-la e enriquecê-la, eis a responsabilidade maior dos brasileiros.


CARLOS DE MEIRA MATTOS, 92, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.

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