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NELSON MOTTA
Emoções baratas
RIO DE JANEIRO - A cada semana me prometo não falar mais de
políticos, não gastar tempo e neurônios com essa alta ralé de Brasília
inutilmente. Eles são muitos e cada
vez mais poderosos, são invencíveis
como o tráfico de drogas.
Mas não consigo, estou drogado
em escândalos e bandidagens de
políticos, já não vivo sem eles, percorro avidamente os sites e os jornais em busca de minha dose diária
de lixo moral e emoções baratas.
Estou dependente desse prazer
perverso de ver expostos ao público
e humilhados esses cínicos que nos
roubam e nos mentem, que desmoralizam a democracia e a Justiça e
riem de nossa indignação.
Como não há esperanças de punição pela Justiça, pelo menos temos
a execração pública desses figurões
vaidosos e poderosos, que têm suas
vidas, vícios e vísceras revelados a
todos, parentes, amantes, filhos e
amigos. Já é alguma coisa, uma espécie de justiça instantânea, uma
das poucas que nos restam.
O barato do escândalo nos diverte, inebria e vicia, um depois do outro, em doses cavalares, cada vez
mais fortes, fazendo salivar as glândulas da vingança contra os que se
apoderaram dos nossos melhores
sonhos e esperanças e os transformaram em lixo e lama, que nos ignoram e nos afrontam com seus
privilégios e sua impunidade.
Estamos nos viciando nessas vinganças simbólicas, pelo ridículo,
pelo deboche das piadas e das charges e pela humilhação pública desses bandidos travestidos de representantes do povo. Já que não se
pode apedrejá-los, não deixa de ser
um progresso civilizatório rir de
suas desgraças.
Paulo Francis não acreditava em
reencarnação, mas advertia, "se
houver, levarei meu ectoplasma para Brasília para infernizar a vida
dessa "canaille"".
O ectoplasma de Francis deve estar às gargalhadas.
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