São Paulo, terça-feira, 13 de agosto de 2002

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MARTA SALOMON

Vem aí a taxa de alienação

Vamos combinar que personagens como Leonard Zelig e Forrest Gump, que, na pele de Woody Allen e de Tom Hanks, dividiam o primeiro plano de momentos importantes da história, não se encontram nas ruas. A parte que cabe a cada um dos cidadãos na história -aquela contada nos livros- costuma ser bem mais modesta. O sujeito pode até viver no Rio de Janeiro e escapar de balas perdidas, de arrastões e de assemelhados. Pode passar férias em Buenos Aires e achar que os jornais exageram na desgraça do argentino, porque os cafés da Recoleta continuam frequentados. Pode não ter perdido dinheiro nos fundos, manter seu emprego, acordar e dormir sem ligar para o noticiário, passar a vida sem medalha. Para ele, pode parecer até que a história teima em correr numa rua paralela, longe da vista. Mas não há como viver fora dela, certo? E talvez isso explique por que o sujeito veste jeans ou comeu sanduíche de salmão no café da manhã. Essa conversa é para falar de um fenômeno que cientistas políticos aguardam para as eleições de outubro. Atende pelo nome de aumento da taxa de alienação. A expectativa é que quatro em cada dez eleitores deixem de votar para presidente, aí incluídos os votos brancos e nulos e as abstenções. É gente que não quer votar como forma de protesto ou -e sobretudo- porque acha que não vale a pena, embora o voto seja teoricamente obrigatório no Brasil. O aumento do número de eleitores indecisos nas pesquisas de intenção de voto pode ser o primeiro sinal desse fenômeno. Não é o fim do mundo, como a expressão taxa de alienação sugere -acontece nas maiores democracias do mundo. Em média, nos regimes democráticos, o chamado abstencionismo gira em torno dos 20% do eleitorado, ensina o "Dicionário de Política", de Norberto Bobbio. Nos Estados Unidos, essa taxa já foi bem maior. Mas como explicar um aumento da ""alienação" numa eleição que parece bem mais emocionante do que a de 98 ou tão movimentada como a primeira eleição direta depois do regime militar, em 89? A explicação pode estar numa característica que os marqueteiros das campanhas captaram na maioria absoluta do eleitorado. Essa maioria quer mudança. Não foi à toa que a política econômica foi criticada por todos os presidenciáveis durante o primeiro debate, na TV Bandeirantes. Nem o governista -mas não muito- José Serra saiu em defesa do modelo. Palavras ao vento? Lula defende mudanças sem assustar o capital. Ciro Gomes diz que vai mudar, com apoio animado de quem está no poder há bastante tempo. Serra quer mudar e continuar ao mesmo tempo. Garotinho pede que lhe dêem uma chance. Em plena euforia com o acordo do FMI, que amarrou o sucessor de Fernando Henrique Cardoso a uma receita de pouco gasto e muito imposto em troca de US$ 30 bilhões do Fundo, o ministro Pedro Malan pode ter dado a dica. Disse que a margem para grandes mudanças é reduzida. Nessas condições, como fica o desejo que os marqueteiros captaram na maioria do eleitorado?

Postas as elucubrações de lado, marque a seguinte data na agenda: 30 de agosto. É quando o comando da campanha de José Serra decide se joga a toalha ou se espera por um milagre.


Marta Salomon é secretária de Redação da Sucursal de Brasília. Hoje, excepcionalmente, não é publicado artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.



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