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RUY CASTRO
O Brasil acoelhado
RIO DE JANEIRO - Em 1959, o
escritor Álvaro Lins, embaixador
do Brasil em Portugal, foi atender à
campainha de sua casa em Lisboa e
deparou com o general Humberto
Delgado, líder da oposição portuguesa e inimigo nš 1 do ditador Oliveira Salazar.
Delgado batera à sua porta para
pedir asilo político. Dizia-se ameaçado pela Pide, a polícia política. Álvaro Lins não discutiu. Botou-o para dentro. Naquele momento, Delgado era alguém que pedia ajuda ao
Brasil -e o Brasil, como signatário
dos tratados internacionais que garantiam asilo a perseguidos políticos, não podia deixá-lo na rua.
Em condições normais, seria um
processo simples. Lins comunicaria
ao chanceler português que Delgado lhe pedira asilo; o chanceler reconheceria esse direito e, dias depois, sempre protegido pela embaixada, Delgado tomaria um avião para o Rio.
Mas não foi o que aconteceu. O
chanceler, digo Salazar, negou que
houvesse qualquer coisa contra
Delgado e pôs a Pide à porta do embaixador, para evitar que o general
fugisse. O impasse se arrastou, com
Álvaro Lins exibindo os tratados segundo os quais quem decide sobre a
situação do asilado é o país que asila. Não adiantava.
E então veio o pior. No Rio, o presidente Juscelino Kubitschek estava tiririca com Álvaro Lins. Aquele
caso lhe criava um problema terrível com Salazar, com quem JK não
queria ficar mal, para não atrair a
antipatia dos ricos negociantes portugueses no Brasil. E dificultou como pôde a vida de Álvaro Lins.
Durou meses, mas Álvaro Lins
conseguiu embarcar Delgado naquele avião. Em seguida demitiu-se,
fez as malas, deixou suas condecorações para trás e também voltou
para o Rio. Onde dedicou-se a combater Juscelino, que, para ele, acoelhara vilmente o Brasil junto a um
ditador estrangeiro.
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