São Paulo, segunda-feira, 13 de agosto de 2007

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ALBA ZALUAR

Pátria mãe

A POLÍTICA social é sempre cheia de ardis. Um deles é o de deformar a generosidade do Estado, imposta ao contribuinte, quando faz de portadores dos benefícios seres infantilizados pela dependência. Há muito tempo artistas populares falam da esmola como vício do cidadão que infantiliza o pobre e encolhe a possibilidade de que venha a retirar o lábio do seio pátrio gentil. Não é tanto o limite objetivo da renda, mas essa postura subjetiva que diferencia o indigente do pobre que aposta no seu valor pessoal.
Não há como criar cidadãos sem destruir essa dependência que impede o desenvolvimento das habilidades, da auto-estima e do sentido do valor próprio da pessoa, além da capacidade de julgamento independente. A política pública do século 21, por isso, invoca a retribuição pela benesse recebida para se livrar dos caronas, aproveitadores e viciados em auxílios, facilmente transformados em claques e massa de manobra de governos.
Mas não é verdade que os pobres no Brasil padeçam desse mal que assusta os planejadores das políticas públicas no mundo todo. Ao contrário, o que impressiona quem convive com eles em pesquisas de campo é o valor dado ao esforço próprio, a correr atrás, a estudar para vencer na vida, expressões que ouvi nas favelas do Rio de Janeiro por quase 30 anos.
Todavia, ocorre no Brasil de agora fenômeno peculiar. Para compensar a falta de emprego e a falta de reformas nos planos de cargos e carreiras em setores cruciais, aumentam-se o número e os tipos de bolsas. No projeto Pronasci, do Ministério da Justiça, que pretende aprimorar a política de segurança pública no país todo, foram criadas bolsas para "reservistas cidadãos", para "jovens em situação de risco", para "mães da paz" e para "agentes da segurança que recebam até 1.300 reais de salário".
Em cada um desses beneficiários, pode-se reconhecer atores fundamentais para tornar eficaz qualquer plano de prevenção da violência e de segurança cidadã. O truque, no entanto, está em delinear quais serão os resultados obtidos por cada uma dessas categorias de portador de bolsa e como avaliá-los. Para alguns, isso está claro, para outros, como as mães da paz e os agentes de segurança bolsistas, não.
Não custa lembrar que cuidar de si mesmo de modo a não se tornar fardo para os outros, desenvolver as próprias capacidades, investir na formação profissional são retribuições ao benefício recebido tão importantes quanto cuidar dos mais vulneráveis, criar laços sociais que fortaleçam o espírito de cooperação e solidariedade entre os mais próximos. O contribuinte que paga a conta espera que isso não seja esquecido.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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