São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

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SAÍDA MULTILATERAL

Teve tom imperial o discurso de George W. Bush na Assembléia Geral da ONU ontem. O presidente norte-americano praticamente exigiu que as Nações Unidas tomem uma atitude contra o Iraque. Bush dificilmente poderia ser mais claro: "Os propósitos dos EUA não devem ser postos em dúvida. As resoluções do Conselho de Segurança serão implementadas (...) ou a ação será inevitável. E o regime que perdeu a legitimidade perderá também o poder".
Muitas das acusações que os EUA fazem contra o Iraque procedem. Há evidências de que Bagdá mantém programas de desenvolvimento de armas nucleares e biológicas. É certo que possui arsenais químicos, armamento que, aliás, já utilizou contra o Irã e contra sua própria população curda nos anos 80, quando recebia armas e apoio logístico dos EUA. É também um fato que Saddam Hussein persegue implacavelmente seus opositores. E, como Bush bem salientou, o Iraque vem, desde 1991, através de todo tipo de falsas promessas e artifícios, ludibriando a ONU e seus inspetores de armas.
Mesmo considerando esse nada abonador histórico iraquiano, é um erro engajar-se em uma nova guerra contra o Iraque sem esgotar todas as possibilidades de encontrar uma solução negociada. Como observou o presidente francês, Jacques Chirac, todos desejamos ver Saddam Hussein deposto, mas a política externa deve ser feita "com alguns princípios e um pouco de ordem".
Por "alguns princípios" deve-se entender que a ONU não pode emprestar sua autoridade para a promoção de golpes de Estado. Uma organização multilateral como as Nações Unidas não pode ser instrumentalizada por países poderosos como os EUA para revestir de legalidade interesses nem sempre confessáveis.
É legítimo e proveitoso que a comunidade internacional, por meio do Conselho de Segurança, faça Saddam Hussein cumprir o que ficou determinado após a rendição do Iraque na Guerra do Golfo. A ONU deve lançar um ultimato para que Bagdá aceite a volta dos inspetores de armas de destruição em massa. Se Saddam Hussein, mais uma vez, furtar-se a esse compromisso, então, e só então, as Nações Unidas devem chancelar o recurso à força.
Saddam Hussein é um tirano sanguinário, mas está longe de ser o único dirigente nessa categoria. Se é lícito derrubá-lo, como quer Bush, o mesmo tratamento deveria ser estendido a vários outros líderes, cujos regimes preenchem os mesmos requisitos. É algo que os EUA não parecem muito ansiosos por fazer.


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