São Paulo, sexta-feira, 13 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Meus cabelos, os de Bush e o bigode de Saddam

Um ano dos atentados terroristas que destruíram as torres gêmeas de Nova York e atingiram uma ala do Pentágono! As vozes que anunciaram, nos Estados Unidos, que o mundo não seria mais o mesmo depois desse setembro de perplexidades de 2001 foram ouvidas urbis et orbe. O balanço deste ano são rios de violência e de deterioração dos conflitos regionais.
Algumas coisas não serão mais as mesmas. Uma delas é o cabelo de George W. Bush, mais embranquecido. Nem seu rosto, agora, com um aspecto espantado e um andar de braços abertos e passos marciais de quem está no domínio de um poder incontrastável, senhor da paz e da guerra.
Mudou a vida das famílias atingidas pela tragédia, das mais sofridas, das que perderam esposos, cujos filhos não ouvirão jamais a voz do pai. As mães que tiveram filhos mortos, tantas carreiras interrompidas, tantos destinos e tantas vidas brutal e gratuitamente destruídas pelo ódio e pela loucura de um fundamentalismo religioso que tomou o caminho do terror. A revolta do povo americano é justificável e desperta nossos maiores e mais absolutos sentimentos de solidariedade. Deus me poupou do sentimento do ódio. Por isso não posso calcular até onde ele pode levar as pessoas a justificar o desejo de vingança. Esta não é solução de nada, não restitui a vida dos que morreram nem ameniza a dor da desgraça. Faz aumentá-la. A solução é a utopia de concentrar ações num pacto internacional contra o terror e encontrar meios necessários para evitá-lo.
Como dizia Gilberto Amado, as relações internacionais não cultivam sentimentos humanos. Elas são governadas por interesses, que são a essência do poder. Daí porque a guerra contra o terrorismo deflagrada por Bush tem um limite tênue entre onde começa o desejo de acabar com o terror e onde estão os interesses de uma grande potência, pela primeira vez na história da humanidade com poder hegemônico e incontrastável.
O mundo não parece haver mudado tanto como foi anunciado. A guerra no Oriente Médio entre judeus e palestinos agravou-se e agrava-se. Duas velhas figuras, remanescentes da luta histórica desses povos, fizeram recrudescer a confrontação. São dois guerrilheiros, líderes do passado, com gosto de sangue: Sharon e Arafat.
Os organismos multinacionais, tendo à frente a ONU, seguem uma trajetória de esvaziamento de suas funções e quase se limitam a administrar a paz burocrática.
De novo mesmo, só a operacionalização da derrubada de Saddam Hussein, uma questão mais que americana, uma questão quase familiar, texana, para corrigir um fracasso do pai Bush e provar o amor de filho de W. Bush, que deseja oferecer ao patriarca a cabeça do ditador iraquiano, pelo qual não tenho nenhuma simpatia, que apareceu nos escombros da Guerra do Golfo.
Até onde a luta pelo terrorismo justifica a invasão do Iraque não está claro nem para o povo americano nem para os chefes de governo da Europa. Escrevi nesta coluna, há um ano, depois dos atentados terroristas, que a próxima investida, depois do Afeganistão, seria o Iraque.
Assim, o mundo não é mais o mesmo sem mudar nada. Quem é contra o poder arrasador americano será silenciado. A mesma coisa que os romanos faziam mais de 2.000 anos atrás.
O mundo não é mais o mesmo. Nem os cabelos de Bush, nem os meus, nem o bigode de Saddam.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Controle e descontrole público
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.