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JOSÉ SARNEY
Meus cabelos, os
de Bush e o bigode de Saddam
Um ano dos atentados terroristas
que destruíram as torres gêmeas
de Nova York e atingiram uma ala do
Pentágono! As vozes que anunciaram,
nos Estados Unidos, que o mundo
não seria mais o mesmo depois desse
setembro de perplexidades de 2001 foram ouvidas urbis et orbe. O balanço
deste ano são rios de violência e de deterioração dos conflitos regionais.
Algumas coisas não serão mais as
mesmas. Uma delas é o cabelo de
George W. Bush, mais embranquecido. Nem seu rosto, agora, com um aspecto espantado e um andar de braços
abertos e passos marciais de quem está no domínio de um poder incontrastável, senhor da paz e da guerra.
Mudou a vida das famílias atingidas
pela tragédia, das mais sofridas, das
que perderam esposos, cujos filhos
não ouvirão jamais a voz do pai. As
mães que tiveram filhos mortos, tantas carreiras interrompidas, tantos
destinos e tantas vidas brutal e gratuitamente destruídas pelo ódio e pela
loucura de um fundamentalismo religioso que tomou o caminho do terror.
A revolta do povo americano é justificável e desperta nossos maiores e mais
absolutos sentimentos de solidariedade. Deus me poupou do sentimento
do ódio. Por isso não posso calcular
até onde ele pode levar as pessoas a
justificar o desejo de vingança. Esta
não é solução de nada, não restitui a
vida dos que morreram nem ameniza
a dor da desgraça. Faz aumentá-la. A
solução é a utopia de concentrar ações
num pacto internacional contra o terror e encontrar meios necessários para evitá-lo.
Como dizia Gilberto Amado, as relações internacionais não cultivam sentimentos humanos. Elas são governadas por interesses, que são a essência
do poder. Daí porque a guerra contra
o terrorismo deflagrada por Bush tem
um limite tênue entre onde começa o
desejo de acabar com o terror e onde
estão os interesses de uma grande potência, pela primeira vez na história da
humanidade com poder hegemônico
e incontrastável.
O mundo não parece haver mudado
tanto como foi anunciado. A guerra
no Oriente Médio entre judeus e palestinos agravou-se e agrava-se. Duas
velhas figuras, remanescentes da luta
histórica desses povos, fizeram recrudescer a confrontação. São dois guerrilheiros, líderes do passado, com gosto de sangue: Sharon e Arafat.
Os organismos multinacionais, tendo à frente a ONU, seguem uma trajetória de esvaziamento de suas funções
e quase se limitam a administrar a paz
burocrática.
De novo mesmo, só a operacionalização da derrubada de Saddam Hussein, uma questão mais que americana, uma questão quase familiar, texana, para corrigir um fracasso do pai
Bush e provar o amor de filho de W.
Bush, que deseja oferecer ao patriarca
a cabeça do ditador iraquiano, pelo
qual não tenho nenhuma simpatia,
que apareceu nos escombros da Guerra do Golfo.
Até onde a luta pelo terrorismo justifica a invasão do Iraque não está claro
nem para o povo americano nem para
os chefes de governo da Europa. Escrevi nesta coluna, há um ano, depois
dos atentados terroristas, que a próxima investida, depois do Afeganistão,
seria o Iraque.
Assim, o mundo não é mais o mesmo sem mudar nada. Quem é contra o
poder arrasador americano será silenciado. A mesma coisa que os romanos
faziam mais de 2.000 anos atrás.
O mundo não é mais o mesmo. Nem
os cabelos de Bush, nem os meus, nem
o bigode de Saddam.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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