São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pistas para o combate à violência

CLAUDIA COSTIN


É flagrante a dificuldade que as políticas públicas têm demonstrado em abordar o mundo da violência juvenil

Bertrand Russell publicava semanalmente crônicas em 1933, posteriormente organizadas em uma coletânea, alertando seus leitores para o risco da guerra e defendendo mudanças no sistema educacional e na organização das cidades para se construir uma cultura favorável à paz. Entre elas, "O Elogio ao Ócio" foi escolhida pelo pensador inglês para título da coletânea recentemente publicada aqui no Brasil pela Editora Sextante.
No texto, Russell preconiza uma educação para o ócio como forma de combate à violência entre os jovens e de igualar acesso a oportunidades. Explica: a elite desfruta, em seu tempo livre, de variadas formas de prazer estético, como ler livros e poesia, ouvir concertos, assistir a peças de teatro.
Os jovens da classe trabalhadora, esclarecia Russell, vêem-se privados desses deleites não apenas por falta de dinheiro para o fazer, mas porque o sistema educacional foca apenas a preparação para o futuro, para o mundo do trabalho. Tornava-se urgente dar-lhes mais tempo livre e educá-los para um ócio construtivo.
Afora a beleza da utopia de Russell, fica a sensação de atualidade. Ao verificarmos, frustados, o espantoso aumento da violência em São Paulo, constatamos que algo de muito profundo deve ser feito. Não basta apenas mais severidade com os criminosos, essencial para manter a ordem e desincentivar transgressões, é necessário também agir na gênese da violência.
Os jovens, esclarece recente trabalho da Unesco, compõem grupo particularmente vulnerável à situação de pobreza e a ciclos econômicos desfavoráveis na América Latina. E tornam-se violentos por não ter acesso, por motivos sociais ou psicológicos, à estrutura de oportunidades que a sociedade formal oferece. Então, busca-as em outra parte.
Em outros termos, o jovem quer, aliás como todos, ter seus talentos reconhecidos, destacar-se, ser alguém, dispor de condições de bem-estar. Sente-se, porém, desequipado para, pelas regras dadas, construir seu caminho de sucesso.
Além disso, sente que não tem nada a perder, nem a temer, e forja uma conduta alternativa para obtenção do que deseja, no que é, muitas vezes, vitorioso, mesmo que por curto espaço de tempo. O tráfico lhe dá "salários" que o mercado de trabalho jamais poderá pagar.
É flagrante, nesse sentido, a dificuldade que as políticas públicas têm demonstrado em abordar o complexo mundo da violência juvenil. Complexo porque multifacetado, afeto a áreas de responsabilidade de diferentes ministérios ou secretarias, dos três níveis de governo, que não conseguem se articular na formulação de uma estratégia abrangente de solução do problema. A excessiva departamentalização do aparelho público dificulta muito enfrentar qualquer questão que não esteja restrita ao âmbito de atuação de um único setor.
Devem fazer parte dessa estratégia, certamente, a já iniciada expansão da carga horária das escolas, com tempo para orientação a tarefas escolares, o ensino técnico focado em qualificações capazes de criar oportunidades de trabalho, a universalização do ensino médio, a progressiva redução do tamanho das unidades de recuperação de jovens infratores e a manutenção de programas efetivos de reeducação, a fim de evitar sua transformação em escolas de crime. Pode ser igualmente útil pensar em formas de parceria público-privado na gestão dessas unidades, com participação da comunidade em que estão inseridas.
Mas não deixa de ser interessante a lembrança de Bertrand Russell. Jovens com seus talentos musicais e artísticos desenvolvidos, mesmo que apenas para serem platéia apta a apreciar arte de qualidade, jovens que se destacam em esportes ou são capazes de gastar um dia lendo um bom livro terão menos chances de sofrer ou gerar violência. E terão vidas e mentes mais saudáveis.
Talvez seja esta uma boa idéia de conteúdo a ser introduzido na carga horária que a nova Lei de Diretrizes e Bases estabelece que seja expandida. Em 1997, pesquisa realizada com policiais de Los Angeles procurava descobrir o que, para eles, seria mais efetivo para combater a delinquência juvenil. Resposta mais frequente: atividades de "after school" (depois da escola), enfatizando artes e esportes. Ou seja, a educação para o tempo livre, a educação para o ócio.

Claudia Maria Costin, 46, mestre em economia pela FGV-SP, é diretora da Promon S.A. Foi ministra da Administração Federal (governo FHC).



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Celso Lafer: Cuba e os furacões

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.