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A tragédia dessas nações
GERALD THOMAS
O "americano" tem, apesar de tudo, orgulho de si e de sua nação. No Brasil, com os maus exemplos, o povo tem a auto-estima rebaixada
QUER DIZER que, dessa vez, o
sr. Lula não se esquivou do debate, não é? Será que perdeu
um pouco da arrogância? Viu que não
é assim tão fácil "abocanhar" uma
eleição "de prima"? Sei, claro, que estamos em plena era elizabetana ou
pré-colombiana, que as cortes são
corporativas e que os bancos têm
mais lucro do que nunca. E o povo elegeu Collor! E Maluf! Santo Deus! O
que quer dizer isso? Como contraponto, graças a alguma força divina, o
Rio elegeu Fernando Gabeira.
Aqui nos EUA, o escândalo do ex-deputado republicano (gay e pedófilo
confesso que já apelou para tudo para
explicar o fato de ter "paquerado" os
"pages", garotos que trabalham no
Congresso, tipo office-boys) Foley está partindo um partido já em conflito
com si mesmo: o Partido Republicano. Assim, justamente assim como o
PT, no Brasil, um "partido".
Parece uma peça que Shakespeare
não escreveu. Ruim demais. Nem seria propriamente uma tragédia. Se o
mestre britânico da dramaturgia tivesse estômago para estar vivo no
mundo nojento da política fora da
ilha dos loucos, a Inglaterra, ele diria:
"Existe o Lula e existem os escândalos
de um certo partido que o cerca. Esse
partido partidíssimo e repartido está
envolvido em escândalos escabrosos,
mas o digníssimo Sr. Inácio diz de nada saber. Na nossa colônia recém-descoberta, a América, parece ser
igual. Um certo Bush age de forma
igual! Olha para o outro lado".
Quando Bob Woodward lançou seu
bombástico livro na semana passada,
o genial "State of Denial", a Casa
Branca não tinha como não dar uma
resposta. Um dia antes da publicação,
Dick Cheney ligou para Woodward e
exigiu que não publicasse o livro. Que
piada! Com a resposta negativa do
nosso herói (que, com Bernstein,
trouxe abaixo Nixon e fez com que ele
renunciasse antes do impeachment,
no escândalo de Watergate), Cheney
soltou um enorme "bullshit" e desligou na cara de Woodward.
A administração não quer ouvir nada que não esteja em sua "agenda".
Lula também não. Quem será o Bob
Woodward brasileiro? Será que ele
teria igual impacto?
Pensem só na auto-estima do brasileiro. Melhor ainda. Pensem no
exemplo que ele tem a seguir. Se
Woodward é um repórter investigativo e tem enorme impacto na mídia e
no eleitorado, e as longas e entediantes CPIs, que prometiam "corrigir" alguma coisa, não deram em nada, como é que o povo brasileiro ainda tem
no que acreditar? A lenta destruição
da máquina do desejo judicial virou
um lento processo de corrosão moral.
Nesse sentido, o da farsa, Woodward e todas as investigações "iluminam" o eleitorado, mas nada conseguem fazer contra os eleitores que se
confessam "religiosos crentes" ou
aqueles cujos valores políticos só se
podem medir pela quantidade de dólares que têm no bolso. Nesse sentido,
não há diferença entre os dois países.
Quem tiver a grana ganha. O melhor
ator terá seu solilóquio.
Mas, apesar de, nos EUA, grande
parte do povo estar desencantado
com as mentiras do Pentágono e da
Casa Branca, o "americano" tem muito orgulho de si e de sua nação. Ao
contrário do Brasil, onde ouço as pessoas reclamando das autoridades, sejam elas as mais baixas ou as mais altas: ser polícia no Brasil é pior que ser
bandido. Não há nação que se construa sobre esse tipo de pilar!
Os EUA são um país contraditório:
daqui saem bombas e porta-aviões
em direção a todas as partes do mundo não só para "proteger os interesses
americanos" mas também para "conquistar e remodelar uma nova geopolítica e construir e desconstruir novos
líderes políticos nas regiões mundiais
consideradas sensíveis". É um país
que ama seu Exército. Quase todo seriado de TV é sobre a polícia, o FBI ou
a CIA. Os EUA amam a guerra e estão
em constante êxtase com tudo que se
construiu nessa nação de rebeldes e
anticolonizadores de outrora.
Sim, falei dos enormes erros de por
Bush. Mas a história dos EUA está calcada em outras fundações. Sem uma
história rica, com a Guerra da Independência e a luta pelas liberdades civis, a dinâmica desse país não produziria a alta auto-estima que produz
-na ciência, na economia, enfim, no
próprio estilo de vida, tão invejado (e
odiado) por todos nesse mundo em
que os políticos se escondem atrás de
lobbystas das anônimas e "terríveis"
corporações, prontos para o ataque final numa estonteante armada munida de retórica teatral, força bélica e
um arsenal de dinheiro.
No Brasil de hoje, esse arsenal de
dinheiro anda escondido e está sempre sendo descoberto com pessoas ligadas ao sr. Inácio. Com esse exemplo, o povo brasileiro tem sua auto-estima rebaixada. Não tendo nenhum
respeito pelo próprio país e por seu
passado, a saída mais conhecida sempre será, como sempre foi, tristemente, a exacerbada xenofobia.
GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro.
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