São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 2006

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A tragédia dessas nações

GERALD THOMAS

O "americano" tem, apesar de tudo, orgulho de si e de sua nação. No Brasil, com os maus exemplos, o povo tem a auto-estima rebaixada

QUER DIZER que, dessa vez, o sr. Lula não se esquivou do debate, não é? Será que perdeu um pouco da arrogância? Viu que não é assim tão fácil "abocanhar" uma eleição "de prima"? Sei, claro, que estamos em plena era elizabetana ou pré-colombiana, que as cortes são corporativas e que os bancos têm mais lucro do que nunca. E o povo elegeu Collor! E Maluf! Santo Deus! O que quer dizer isso? Como contraponto, graças a alguma força divina, o Rio elegeu Fernando Gabeira.
Aqui nos EUA, o escândalo do ex-deputado republicano (gay e pedófilo confesso que já apelou para tudo para explicar o fato de ter "paquerado" os "pages", garotos que trabalham no Congresso, tipo office-boys) Foley está partindo um partido já em conflito com si mesmo: o Partido Republicano. Assim, justamente assim como o PT, no Brasil, um "partido".
Parece uma peça que Shakespeare não escreveu. Ruim demais. Nem seria propriamente uma tragédia. Se o mestre britânico da dramaturgia tivesse estômago para estar vivo no mundo nojento da política fora da ilha dos loucos, a Inglaterra, ele diria: "Existe o Lula e existem os escândalos de um certo partido que o cerca. Esse partido partidíssimo e repartido está envolvido em escândalos escabrosos, mas o digníssimo Sr. Inácio diz de nada saber. Na nossa colônia recém-descoberta, a América, parece ser igual. Um certo Bush age de forma igual! Olha para o outro lado".
Quando Bob Woodward lançou seu bombástico livro na semana passada, o genial "State of Denial", a Casa Branca não tinha como não dar uma resposta. Um dia antes da publicação, Dick Cheney ligou para Woodward e exigiu que não publicasse o livro. Que piada! Com a resposta negativa do nosso herói (que, com Bernstein, trouxe abaixo Nixon e fez com que ele renunciasse antes do impeachment, no escândalo de Watergate), Cheney soltou um enorme "bullshit" e desligou na cara de Woodward.
A administração não quer ouvir nada que não esteja em sua "agenda". Lula também não. Quem será o Bob Woodward brasileiro? Será que ele teria igual impacto? Pensem só na auto-estima do brasileiro. Melhor ainda. Pensem no exemplo que ele tem a seguir. Se Woodward é um repórter investigativo e tem enorme impacto na mídia e no eleitorado, e as longas e entediantes CPIs, que prometiam "corrigir" alguma coisa, não deram em nada, como é que o povo brasileiro ainda tem no que acreditar? A lenta destruição da máquina do desejo judicial virou um lento processo de corrosão moral.
Nesse sentido, o da farsa, Woodward e todas as investigações "iluminam" o eleitorado, mas nada conseguem fazer contra os eleitores que se confessam "religiosos crentes" ou aqueles cujos valores políticos só se podem medir pela quantidade de dólares que têm no bolso. Nesse sentido, não há diferença entre os dois países. Quem tiver a grana ganha. O melhor ator terá seu solilóquio.
Mas, apesar de, nos EUA, grande parte do povo estar desencantado com as mentiras do Pentágono e da Casa Branca, o "americano" tem muito orgulho de si e de sua nação. Ao contrário do Brasil, onde ouço as pessoas reclamando das autoridades, sejam elas as mais baixas ou as mais altas: ser polícia no Brasil é pior que ser bandido. Não há nação que se construa sobre esse tipo de pilar!
Os EUA são um país contraditório: daqui saem bombas e porta-aviões em direção a todas as partes do mundo não só para "proteger os interesses americanos" mas também para "conquistar e remodelar uma nova geopolítica e construir e desconstruir novos líderes políticos nas regiões mundiais consideradas sensíveis". É um país que ama seu Exército. Quase todo seriado de TV é sobre a polícia, o FBI ou a CIA. Os EUA amam a guerra e estão em constante êxtase com tudo que se construiu nessa nação de rebeldes e anticolonizadores de outrora.
Sim, falei dos enormes erros de por Bush. Mas a história dos EUA está calcada em outras fundações. Sem uma história rica, com a Guerra da Independência e a luta pelas liberdades civis, a dinâmica desse país não produziria a alta auto-estima que produz -na ciência, na economia, enfim, no próprio estilo de vida, tão invejado (e odiado) por todos nesse mundo em que os políticos se escondem atrás de lobbystas das anônimas e "terríveis" corporações, prontos para o ataque final numa estonteante armada munida de retórica teatral, força bélica e um arsenal de dinheiro.
No Brasil de hoje, esse arsenal de dinheiro anda escondido e está sempre sendo descoberto com pessoas ligadas ao sr. Inácio. Com esse exemplo, o povo brasileiro tem sua auto-estima rebaixada. Não tendo nenhum respeito pelo próprio país e por seu passado, a saída mais conhecida sempre será, como sempre foi, tristemente, a exacerbada xenofobia.


GERALD THOMAS é autor e diretor de teatro.

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