São Paulo, Segunda-feira, 13 de Dezembro de 1999


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Estranho objeto


Consideramos um insulto a nossa cultura arquitetônica essa torre horrorosa


PEDRO CURY

O IAB -Instituto de Arquitetos do Brasil- de São Paulo, que participa ativamente dos debates sobre questões relacionadas ao desenvolvimento de nossa cidade, não poderia deixar de manifestar sua preocupação com relação ao megaempreendimento Maharishi São Paulo Tower, que pelas suas proporções fatalmente causará um grande impacto em todo o município.
Um dos aspectos que nos tem causado estranheza é relacionado inevitavelmente com as questões culturais. A arquitetura brasileira tem recebido influências externas de diversas procedências e tendências -daí a riqueza da sua diversidade-, porém nunca deixou de ser uma arquitetura brasileira, refletindo de uma forma ou outra o espírito de nosso povo, seus costumes, sua organização social, sua adequação a nosso clima, a nosso território, a nosso estágio de desenvolvimento, a nossa economia, a nossa legislação, e tem atendido corretamente às reais necessidades de nossa sociedade.
O São Paulo Tower constitui, sem dúvida, um reflexo do processo irreversível da globalização no qual estamos inseridos. Mas, ao nosso ver, não atende ou privilegia nenhum desses aspectos. É um projeto que segue os preceitos da arquitetura védica, baseada nas escrituras sagradas do hinduísmo, religião estranha ao nosso país. Projeto que já veio pronto, feito por alguém que desconhece a nossa realidade, cujo pouso estão querendo forçar em São Paulo como se fosse uma nave extraterrestre. É só olhar as fotos que estão por aí para perceber a total inadequação desse edifício ao contexto da cidade. Não é preciso ser um técnico para distinguir isso.
A arquitetura brasileira goza de grande prestígio dentro do país e é muito respeitada no exterior, pois sempre que é representada lá fora o é com qualidade, principalmente com identidade. Por isso consideramos um insulto a nossa cultura arquitetônica a presença dessa torre horrorosa em nossa cidade. Além disso, pelo seu tamanho, acabará sendo o ponto de referência de São Paulo, feito com uma arquitetura que não tem nada a ver conosco. Não podemos aceitar isso. Podemos, isso sim, ser universais sem perder as raízes de nossa cultura. Isso é o que manda o bom senso e é assim que se faz.
Outro aspecto que nos preocupa é a forma como estão querendo viabilizar o empreendimento. Não está havendo nenhuma preocupação em analisar profundamente se São Paulo comporta e se realmente precisa de um empreendimento desse porte. O centro concentra o maior número de edifícios vazios da cidade. A torre, pela sua dimensão, prejudicaria ainda mais a ocupação desses prédios, com certeza inibindo novas construções em toda a área central. Corre-se um sério risco de que se deteriore ainda mais o seu entorno, o que invalidaria o argumento da revitalização do centro.
Aqui fica uma pergunta: será que um empreendimento que tem a pretensão de concentrar todas as necessidades de uma população, desde a padaria até a universidade, passando por todas as outras atividades de lazer, habitação e serviços, se coaduna com o espírito do brasileiro? Fica nos parecendo uma prisão de luxo, pois seremos quase obrigados a viver lá dentro, isolados do resto da cidade.
Para ser do Primeiro Mundo não é necessário ter o edifício mais alto do planeta. Muitas cidades de primeiríssimo escalão não possuem prédios altos acima do razoável (Paris, Estocolmo, Berlim, Sydney etc., só para citar algumas). São necessários outros requisitos mais importantes para chegar lá. Se a cidade de São Paulo aceitar essa obra simplesmente levando em conta a possibilidade de investimento de bilhões de dólares, vem demonstrar mais uma vez o seu despreparo em lidar adequadamente com essas questões.
Além disso, é lamentável que estejam envolvendo arquitetos brasileiros para dar um jeito no projeto com a desculpa de adaptá-lo à nossa legislação. Acreditamos que existem arquitetos brasileiros competentes que podem propor soluções do mais alto nível conceitual e técnico para empreendimentos desse tipo. São essas algumas razões de ordem geral pelas quais não concordamos com a presença dessa megatorre em nossa cidade.


Pedro Cury, 64, arquiteto, é presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo e diretor da Pedro Cury Arquitetura e Planejamento.



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