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ALCINO LEITE NETO
A chance histórica do PT antipopulista
Assim como o fascismo permanece um fantasma na Europa, o populismo é uma assombração na América Latina. O fascismo é sempre de direita. O populismo pode até manifestar gosto pelo socialismo.
Se ele se manifesta de variadas formas, como caracterizar o populismo?
Trata-se de uma prática de poder que
pretende simplificar a política e a sociedade, desqualificando os mecanismos de representação e criando o sentimento de vínculo direto entre a vontade do "povo" e a máxima instância
simbólica num país, o chefe de Estado.
Não há apenas líderes políticos inclinados ao populismo. Os próprios cidadãos costumam fazer "apelo" a esses líderes para uma prática populista.
"A política repousa sobre um fato: a
pluralidade humana", escreveu Hannah Arendt. Para o exercício da política, as vontades livres numa sociedade
plural organizam instituições complexas, como o sistema representativo,
que a fazem funcionar. Às vezes, as
pessoas -aflitas com as necessidades
e a insegurança do presente- ficam
decepcionadas com o processo difícil
das decisões institucionais.
Passam a atribuir sua infelicidade às
próprias instituições, que elas aceitam
que sejam resumidas a duas figuras: a
do líder paternal, com quem imaginam dialogar diretamente, e a do "povo", um ectoplasma ideológico que dá
a sensação cultural de força, em oposição às "elites" políticas e econômicas,
que são diabolizadas. Em geral, o custo desse processo é a rarefação da liberdade política.
Lula não é um homem de inclinações populistas. E o PT não é nem
nunca foi um partido populista. Ao
contrário, uma das características históricas do partido é seu esforço de
buscar a ampliação da consciência e
da ação política dos cidadãos por
meio de novos mecanismos participativos, mas sem contestar as instituições democráticas clássicas.
Há muitas explicações para a vitória
de Lula, mas é certo que ela foi uma recusa do populismo. Tratou-se de uma
decisão política refletida de uma
maioria, ao cabo de um processo eleitoral suficientemente longo, em que
candidatos de perfil duvidoso foram
sendo descartados pelos eleitores. Eis
o que há de radical no último pleito: a
"revolução" que Lula e o PT no Planalto representam é da ordem da racionalidade política e democrática. Tanto
o PT quanto Lula, contudo, deveriam
ficar atentos para que determinadas
iniciativas de governo ou decepções
que possam surgir nos próximos meses não incentivem a inclinação emocional brasileira ao populismo, com
tudo que ele traz consigo -nacionalismo, messianismo, maniqueísmo,
antiintelectualismo etc. Essa tendência ao populismo, se redespertada, faria do próprio PT a sua primeira vítima nas próximas eleições.
Logo em seguida ao projeto Fome
Zero, ou talvez ao mesmo tempo, seria
bom que fosse entregue também aos
excluídos uma cesta básica de cultura
política, não-ideológica, de modo a incentivar a sua disposição, demonstrada nas eleições, de se tornarem cidadãos respeitados e a incluí-los todos
entre os amantes das instituições e da
liberdade. Para começar, basta dizer a
eles que os alimentos não são uma
doação, mas uma conquista.
O PT pode não fazer o governo de
seus sonhos, mas, se trabalhar em prol
do amadurecimento da cidadania, já
terá realizado uma grande tarefa histórica: a de transformar o Brasil numa
comunidade política moderna, democrática e autoconsciente.
Alcino Leite Neto é correspondente da Folha
em Paris. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.
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