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MÁRIO MAGALHÃES
Tolerância
RIO DE JANEIRO - Não faz nem dez
anos. Parece que foi anteontem.
Em julho de 1994, o ônibus que levaria a seleção brasileira campeã
mundial de volta ao hotel já estava
com o motor ligado, na saída do estádio Rose Bowl, em Pasadena (EUA).
Desesperado com as declarações
monossilábicas do técnico do tetra,
Carlos Alberto Parreira, um punhado de jornalistas o cercou após a entrevista coletiva de menos de 2 minutos (um obcecado cronometrou 1 minuto e 22 segundos). Era muito pouco
para tal personagem.
Parreira parecia um monge recém-emerso da meditação. Não falava nada. Um repórter jogou baixo: no momento do triunfo, o que diria aos detratores? "Nada", devolveu. "Trata-se de uma vitória brasileira."
Mas havia sido dito e escrito isso,
aquilo e mais um pouco sobre ele nos
anos anteriores. "E daí?", deu de ombros. "O que passou passou."
E os berros de "burro", mesmo em
tardes de goleada? "São do jogo", repetia, plácido, o treinador com feições de gente infeliz.
Cartada final, o repórter apelou:
não teria nadinha ""a declarar para a
história"? Estava feliz, apenas isso.
Notícia, só se estivesse deprimido.
Até que alguém indagou se ele era
um sujeito de sorte -como se, depois
de o Brasil bater a Itália nos pênaltis,
pudesse simbolizar o azar. O homem
sério ameaçou, mas não concedeu o
sorriso. Recordou os críticos e disse
desconhecer o rancor: "É o meu jeito.
Como diria o Frank Sinatra, "it's my
way". Virou as costas e foi embora.
O repórter provocador, o que estimulara a baba bovina da vingança,
saiu correndo para batucar a reportagem no computador. Não tinha um
"vocês vão ter que me engolir" para
publicar, nem nunca se ouviria esse
grunhido de Parreira. Apressado, o
repórter cedeu à tentação fácil da aliteração e titulou: "Parreira cita
(Frank) Sinatra no tetra".
A propósito do que a lembrança? O
regresso de Parreira à seleção talvez
fosse motivo. A verdade: por causa de
eventos recentes, ocorrera fazer um
breve inventário da intolerância.
Saiu o contrário, fica para outra vez.
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