São Paulo, terça-feira, 14 de janeiro de 2003

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MÁRIO MAGALHÃES

Tolerância

RIO DE JANEIRO - Não faz nem dez anos. Parece que foi anteontem.
Em julho de 1994, o ônibus que levaria a seleção brasileira campeã mundial de volta ao hotel já estava com o motor ligado, na saída do estádio Rose Bowl, em Pasadena (EUA).
Desesperado com as declarações monossilábicas do técnico do tetra, Carlos Alberto Parreira, um punhado de jornalistas o cercou após a entrevista coletiva de menos de 2 minutos (um obcecado cronometrou 1 minuto e 22 segundos). Era muito pouco para tal personagem.
Parreira parecia um monge recém-emerso da meditação. Não falava nada. Um repórter jogou baixo: no momento do triunfo, o que diria aos detratores? "Nada", devolveu. "Trata-se de uma vitória brasileira."
Mas havia sido dito e escrito isso, aquilo e mais um pouco sobre ele nos anos anteriores. "E daí?", deu de ombros. "O que passou passou."
E os berros de "burro", mesmo em tardes de goleada? "São do jogo", repetia, plácido, o treinador com feições de gente infeliz.
Cartada final, o repórter apelou: não teria nadinha ""a declarar para a história"? Estava feliz, apenas isso. Notícia, só se estivesse deprimido.
Até que alguém indagou se ele era um sujeito de sorte -como se, depois de o Brasil bater a Itália nos pênaltis, pudesse simbolizar o azar. O homem sério ameaçou, mas não concedeu o sorriso. Recordou os críticos e disse desconhecer o rancor: "É o meu jeito. Como diria o Frank Sinatra, "it's my way". Virou as costas e foi embora.
O repórter provocador, o que estimulara a baba bovina da vingança, saiu correndo para batucar a reportagem no computador. Não tinha um "vocês vão ter que me engolir" para publicar, nem nunca se ouviria esse grunhido de Parreira. Apressado, o repórter cedeu à tentação fácil da aliteração e titulou: "Parreira cita (Frank) Sinatra no tetra".
A propósito do que a lembrança? O regresso de Parreira à seleção talvez fosse motivo. A verdade: por causa de eventos recentes, ocorrera fazer um breve inventário da intolerância. Saiu o contrário, fica para outra vez.


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