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TENDÊNCIAS/DEBATES
A eleição de um democrata pode mudar a política externa norte-americana?
SIM
Vamos todos ter que mudar
BRAZ DE ARAUJO
Já sabemos de dois dados evidentes
sobre as eleições presidenciais norte-americanas. Primeiro, o presidente a ser
eleito será democrata ou republicano.
Segundo, já sabemos quem serão os
candidatos de ambos os partidos, salvo
acontecimentos inesperados que o ser
humano não pode prever. Portanto, ou
teremos a reeleição de George W. Bush
(republicano) ou a vitória de John F.
Kerry (democrata). É muito cedo ainda
para anunciar o resultado final. Como
exercício de futurologia, pode-se dizer
que, já na metade de agosto, o cenário
eleitoral estará bem mais claro, com
suas tendências consolidadas, sempre
com a cautela para acontecimentos
inesperados. Afinal, os Estados Unidos,
com seus aliados mais próximos, estão
em guerra contra o terrorismo.
Assim, é preciso que fique bem claro
que, seja qual for o resultado, os Estados
Unidos vão continuar a guerra contra o
terrorismo. Mesmo assim, seria certamente uma grande vitória momentânea
-para os terroristas e toda a torcida e
militância antiamericana no mundo-
uma eventual derrota do presidente
Bush. Os militantes das organizações
terroristas do mundo todo vão festejar.
Seria também uma vitória para os aliados de Chirac, Schröder e Putin, para a
maioria das tendências social-democratas mundiais (recentemente reunidas),
que lideraram uma oposição à estratégia de guerra ao terrorismo do presidente republicano. Seria uma vitória
para todos os movimentos pacifistas,
que simplesmente repudiam essa guerra, pois contrários a todos os tipos de
guerra. Todos teriam alguma coisa a
festejar, durante um certo tempo, até
que o novo governo democrata mostrasse seu estilo, hipoteticamente mais
soft, mais suave, mais cooperativo, mais
multilateral.
Foi justamente na era democrata do
afortunado ex-presidente Clinton que a
Al Qaeda iniciou seus ataques aos Estados Unidos. Portanto, seria uma surpresa extraordinária se os terroristas do
mundo todo abandonassem suas táticas terroristas após hipotética vitória
democrata. Seria também surpreendente se as forças atuais, lideradas pelos
Estados Unidos, voltadas para ações de
prevenção e repressão ao terrorismo,
deixassem de fazê-lo. Portanto, o jogo
da política mundial mudaria, porque o
estilo do líder da maior potência do
mundo teria mudado.
Em estratégia, como em política, é
fundamental dar importância à forma,
pois aí está a dimensão visível da arte, a
força do potencial do ser humano ou
sua fraqueza, onde se explicitam a Virtù, de quando em vez a Fortuna, daqueles que nos conduzem na paz ou na
guerra. Em democracia, alternância política significa mudança de alguma coisa, e não mudança de tudo. Portanto,
muda o presidente, muda a política e
pode mudar a estratégia. Mudando a
política, mudam-se ministros, redefinem-se prioridades, determinados interesses são atendidos em detrimento
de outros. A teoria se aplica à política
interna e à política externa. Para mim, é
evidente que a política externa dos Estados Unidos mudaria com a liderança
democrata em muitos aspectos. Por
exemplo: os democratas são muito
mais protecionistas do que os republicanos. Que se preparem mais ainda os
negociadores brasileiros para flexibilizar o protecionismo e o fechamento de
nosso mercado para obter vantagens
competitivas sistêmicas.
As considerações acima podem ser
interessantes para um outro argumento
importante sobre a mudança em política externa. Em outro debate nesta página, já mostrei que uma metodologia de
análise das mudanças nas relações entre países, no atual contexto internacional, sugere que elas se tornam mais voláteis, em muitos casos marcadas pela
duplicidade, pela dissimulação. O realismo político sustenta que as nações
perseguem interesses unilaterais, que as
alianças tendem a ser mais momentâneas (como na fase atual da guerra ao
terrorismo) do que multilaterais.
Vale repetir Huntington: as relações
entre os países tendem a ser mais ambivalentes em cenários simultâneos de
competição e cooperação. Aliás, esse é o
cenário da selva: existem perigos múltiplos, armadilhas escondidas, surpresas
desagradáveis, ambigüidades morais.
Não é por acaso que o mundo todo anda mais estressado.
Ora, é esse também o cenário da estratégia contra o terrorismo. Se todos
somos vulneráveis, não vejo como a
guerra vai terminar nem quando. Portanto, a liderança norte-americana, seja
ela qual for, vai ter que continuar a
guerra, adaptando-se às circunstâncias.
Os estrategistas sempre afirmam que a
melhor teoria da guerra é a teoria da
guerra passada. A guerra em andamento está exigindo mudanças nas teorias
da guerra. O mundo mudou após o 11
de Setembro. Os republicanos mudaram. Os democratas terão que mudar
para convencer os eleitores norte-americanos de que poderão ser mais eficazes do que os republicanos no combate
ao terrorismo. Enquanto isso, o Brasil,
que já foi a oitava economia do mundo
e está se tornando a décima-terceira,
tem subestimado com preconceitos o
significado estratégico de defesa e segurança, inclusive economicamente. Nossa política externa vai ter que mudar.
Braz de Araujo, cientista político, é professor
de relações internacionais e coordenador do Núcleo de Políticas e Estratégia da USP.
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