São Paulo, Domingo, 14 de Fevereiro de 1999
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MEDO DE GOVERNAR

Pouco mais de um mês depois do abandono da âncora cambial, o governo não deu ainda sinais firmes do que pretende fazer de sua política econômica. É verdade que os mercados vivem uma espécie de trégua, mas até os mais otimistas admitem que, antes de o cenário melhorar, dias piores virão pela frente.
Os impactos negativos da desvalorização cambial feita de modo abrupto ainda estão surgindo. A taxa de inflação desde então apenas sobe. Até o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Amaury Bier, declarou há pouco que nem o governo nem o FMI arriscam uma meta para a inflação em 1999.
As experiências internacionais mais recentes de crise cambial sugerem três desenlaces possíveis, centrados na avaliação dos casos do México, da Coréia do Sul e da Rússia.
O caso argentino e, em boa medida, também o mexicano, embora tecnicamente distintos, apontam para uma opção clara: os governos capitulam e assumem todos os ônus e também os bônus de converterem seus países em autênticos satélites do Tesouro norte-americano.
Na Argentina, o prelúdio à satelização foi uma ampla dolarização da economia. No México, um aprofundamento da dependência visceral dos EUA no comércio exterior.
O caso da Rússia situa-se no outro extremo, em que a marginalização diante dos circuitos financeiros internacionais é quase total. Não se trata de uma solução, obviamente.
O caso coreano e, em boa medida, o de alguns outros países asiáticos, como a Malásia, parecem demonstrar que existe uma alternativa tanto à satelização quanto à marginalização.
O governo coreano ameaçou abertamente partir para uma moratória da dívida externa. Além de ter obtido recursos do Fundo e renegociado várias cartas de intenções, a Coréia iniciou rapidamente ajustes na estrutura produtiva e na política econômica.
O elenco de medidas incluiu não apenas o reforço à máquina exportadora, mas uma política industrial anunciada como revolucionária, voltada ao redesenho dos sistemas empresarial e financeiro.
Na Coréia, verificam-se os custos econômicos e os dramas sociais decorrentes de uma crise dessas proporções, mas também uma rápida melhoria no comércio exterior e a fundamental estabilização cambial.
O Brasil encontra-se ainda no início da transição e não está claro quais são as inclinações ou prioridades do governo. Essa passividade do Banco Central, do Ministério da Fazenda e mesmo da Presidência da República parece ceder apenas quando, reativamente, são adotadas medidas tópicas, atendendo a uma emergência maior ou a uma pressão setorial.
Mas a falta de iniciativa do governo e a deterioração das condições da economia obviamente terão consequências de ordem política. E é exatamente a esse impacto político decorrente da inação de Fernando Henrique, combinado à recessão e à inflação, que os analistas e credores externos passaram a dar maior importância nos últimos dias.
É aliás oportuno lembrar que em episódios mais graves, como na Tailândia ou na Indonésia, foram as dificuldades sociais e políticas provocadas pelo ajuste que afinal conduziram a uma recidiva das dificuldades econômicas. Para ficar numa experiência recente, torna-se aos poucos provável um cenário que se poderia chamar de "sarneyzação" do governo FHC. O segundo mandato, que a muitos parecia destinado a coroar um período de relançamento do desenvolvimento em novas bases, poderá ser condenado ao papel nada louvável de produzir no máximo alívio, se for evitado o pior e administrada a estagflação.
Essa navegação medíocre de águas turvas e turbulentas não é uma maldição inescapável, se o governo ousar, se tiver iniciativa não apenas diante das dificuldades políticas internas, mas, sobretudo, em face das negociações externas.
O pior ambiente é o que resulta da paralisia, quando a sociedade e os mercados podem entender que ela é fruto do medo de governar.


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