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MEDO DE GOVERNAR
Pouco mais de um mês depois do
abandono da âncora cambial, o governo não deu ainda sinais firmes do
que pretende fazer de sua política
econômica. É verdade que os mercados vivem uma espécie de trégua,
mas até os mais otimistas admitem
que, antes de o cenário melhorar,
dias piores virão pela frente.
Os impactos negativos da desvalorização cambial feita de modo abrupto
ainda estão surgindo. A taxa de inflação desde então apenas sobe. Até o
secretário de Política Econômica do
Ministério da Fazenda, Amaury Bier,
declarou há pouco que nem o governo nem o FMI arriscam uma meta para a inflação em 1999.
As experiências internacionais mais
recentes de crise cambial sugerem
três desenlaces possíveis, centrados
na avaliação dos casos do México, da
Coréia do Sul e da Rússia.
O caso argentino e, em boa medida,
também o mexicano, embora tecnicamente distintos, apontam para
uma opção clara: os governos capitulam e assumem todos os ônus e também os bônus de converterem seus
países em autênticos satélites do Tesouro norte-americano.
Na Argentina, o prelúdio à satelização foi uma ampla dolarização da
economia. No México, um aprofundamento da dependência visceral dos
EUA no comércio exterior.
O caso da Rússia situa-se no outro
extremo, em que a marginalização
diante dos circuitos financeiros internacionais é quase total. Não se
trata de uma solução, obviamente.
O caso coreano e, em boa medida, o
de alguns outros países asiáticos, como a Malásia, parecem demonstrar
que existe uma alternativa tanto à satelização quanto à marginalização.
O governo coreano ameaçou abertamente partir para uma moratória
da dívida externa. Além de ter obtido
recursos do Fundo e renegociado várias cartas de intenções, a Coréia iniciou rapidamente ajustes na estrutura produtiva e na política econômica.
O elenco de medidas incluiu não
apenas o reforço à máquina exportadora, mas uma política industrial
anunciada como revolucionária, voltada ao redesenho dos sistemas empresarial e financeiro.
Na Coréia, verificam-se os custos
econômicos e os dramas sociais decorrentes de uma crise dessas proporções, mas também uma rápida
melhoria no comércio exterior e a
fundamental estabilização cambial.
O Brasil encontra-se ainda no início
da transição e não está claro quais
são as inclinações ou prioridades do
governo. Essa passividade do Banco
Central, do Ministério da Fazenda e
mesmo da Presidência da República
parece ceder apenas quando, reativamente, são adotadas medidas tópicas, atendendo a uma emergência
maior ou a uma pressão setorial.
Mas a falta de iniciativa do governo
e a deterioração das condições da
economia obviamente terão consequências de ordem política. E é exatamente a esse impacto político decorrente da inação de Fernando Henrique, combinado à recessão e à inflação, que os analistas e credores externos passaram a dar maior importância nos últimos dias.
É aliás oportuno lembrar que em
episódios mais graves, como na Tailândia ou na Indonésia, foram as dificuldades sociais e políticas provocadas pelo ajuste que afinal conduziram a uma recidiva das dificuldades
econômicas. Para ficar numa experiência recente, torna-se aos poucos
provável um cenário que se poderia
chamar de "sarneyzação" do governo
FHC. O segundo mandato, que a
muitos parecia destinado a coroar
um período de relançamento do desenvolvimento em novas bases, poderá ser condenado ao papel nada
louvável de produzir no máximo alívio, se for evitado o pior e administrada a estagflação.
Essa navegação medíocre de águas
turvas e turbulentas não é uma maldição inescapável, se o governo ousar, se tiver iniciativa não apenas
diante das dificuldades políticas internas, mas, sobretudo, em face das
negociações externas.
O pior ambiente é o que resulta da
paralisia, quando a sociedade e os
mercados podem entender que ela é
fruto do medo de governar.
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