São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


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O Peru no labirinto

JOSÉ SARNEY

As notícias sobre as eleições no Peru foram desencontradas, esquivas, sinuosas. Só ficou uma verdade: as eleições foram fraudadas. Esse foi o consenso internacional. Inexplicavelmente, a América do Sul, com exceção da nota do Brasil de ontem, manteve um silêncio profundo sobre o que ali ocorreu e ocorre. A Europa, bem distante, mobilizou-se para evitar que a farsa eleitoral fosse perpetrada. O embaixador francês em Lima e o embaixador de Portugal, em nome da Comunidade Européia, e a secretária de Estado americana, Madeleine Albright, protestaram contra essa derrocada da democracia no Peru. "The New York Times" resumiu o pensamento geral sem rodeios: "As eleições peruanas cheiram a fraude". Tanto é verdade que não foram os mapas eleitorais que determinaram o segundo turno, foi a pressão internacional.
A ficha democrática do presidente Alberto Fujimori não é confiável. Ele se submeteu à camisa-de-força da democracia sempre com reservas. Eleito, logo de saída adotou a postura salvacionista e messiânica dos absolutistas e deu o autogolpe, fechando o Congresso e o Supremo Tribunal. Inventou a reeleição no continente, não por convicção, mas pelo apetite de poder. Seu estilo populista alimenta-se de sorteios de televisão e geladeira nos bairros pobres de Lima.
Agora, a ferro e fogo, quis a terceira eleição. É um Roosevelt sem a Segunda Guerra Mundial. Os juízes que não concordaram com essa tese tiveram de sair da Suprema Corte. O Escritório Nacional de Processos Eleitorais, contra todas as pesquisas, contra todos os testemunhos de organismos internacionais, anuncia um resultado com números manipulados.
A reação internacional foi dura. Não se podem substituir na América Latina os velhos processos ditatoriais pela democracia autoritária, fraudada, populista, sob o manto de que o governo é um fiel cumpridor da abertura dos mercados.
Peru, como o México, tem uma história forte. O que foi a tragédia de Cajamarca, quando o país foi conquistado pelos espanhóis, a atrocidade de Francisco Pizarro, está relatada por seu irmão, Pedro Pizarro, quando refere que Pascal, guerreiro de Ataualpa, disse que "antes que vocês cristãos aqui chegassem, o Inca era como o Sol".
Bartolomeu de Las Casas completou esses relatos que até hoje nos remetem à tragédia do Peru. Ele diz que os indígenas recomendaram a Pizarro fundar Lima em lugar tão inóspito da costa que todos os espanhóis morressem. Do Peru levaram tudo, da prata até a batata, cultivada nos altiplanos das cordilheiras, que se transformou em alimento mundial. São essas papas e essas batatas que o senhor Fujimori deseja dar à democracia.
O Peru, Paraguai e outros vizinhos nos avisam que a democracia no continente não vai tão bem. Desenterremos a UDN com seu slogan: "A liberdade é a eterna vigilância". Vigiai! O Brasil, que falou duro com Oviedo do Paraguai, deve falar firme com Fujimori.
Que venha o segundo turno, com eleições limpas e a vontade do povo respeitada.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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