São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 2000


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Em defesa do direito de defesa


De CPIs a programas de TV, o que se tem visto são pessoas sendo escrachadas e destruídas


MÁRCIO THOMAZ BASTOS

Um grupo de profissionais de São Paulo -envolvidos com a advocacia criminal, em sua maioria- acaba de fundar uma ONG (organização não-governamental): o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
Três são os objetivos principais da nova instituição: 1) fazer advocacia gratuita, destinando horas profissionais àqueles que não podem pagar honorários (o que a maioria já faz de forma indisciplinada e assistemática), criando até mesmo um banco de horas técnicas; 2) trabalhar por meio do estudo de casos em busca das melhores tecnologias de defesa criminal e 3) intervir e participar todas as vezes que o direito constitucional de ampla defesa for ferido ou estiver ameaçado, em qualquer situação ou instância.
Os fundadores entendem que o momento é adequado para a iniciativa e que o IDDD pode ser um importante instrumento de ação na luta pela implantação de uma democracia concreta e de massas em nosso país.
Nunca -a não ser em alguns períodos do regime ditatorial- se transgrediu tanto o direito de defesa. Temos uma Constituição generosa em matéria de enunciação de direitos: o contraditório, a presunção de inocência, a prova lícita, a assistência jurídica, a proteção da imagem e da intimidade são preceitos insculpidos no artigo 5º do texto constitucional e que se encontram ali, por suposto, para ser cumpridos.
E, na vida real, das CPIs aos programas de TV, o que se tem visto são advogados impedidos de defender, com palavra cassada, ameaçados de prisão; pessoas sem condenação sendo escrachadas e destruídas, em verdadeiros assassinatos de imagem pela mídia; uma vocalização perversa e demagógica a favor da pena de morte e, às vezes, mais que isso, do justiçamento e da execução; a destruição do sistema do direito penal brasileiro pela promulgação de leis extravagantes, a pior das quais é a dos crimes hediondos.
Parece que se quer conjurar a tradição de violência e impunidade, signos sob os quais a sociedade brasileira viveu e vive -atropelando os direitos, canibalizando as imagens, destruindo reputações e construindo cenários que, mais do que dificultar a aplicação adequada das leis, acabam por impedir a realização da justiça.
Na contramão do discurso em favor do endurecimento das normas penais -aquele que associa a questão da segurança pública à adoção de políticas de tolerância zero, às campanhas que incitam ao ódio e sugerem estampar no vidro do carro os dizeres "Já fui assaltado"-, o IDDD irá até o Supremo Tribunal Federal no resguardo das garantias individuais, procurando assegurar aos acusados marginalizados de tudo uma defesa de qualidade compatível com a noção de cidadania, capaz de interromper o círculo vicioso da criminalidade (crime-cadeia-crime).
É nesse cenário que o IDDD acredita ter um papel importante e específico a desempenhar, ao lado da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), da Procuradoria de Assistência Judiciária, do Instituto Carioca de Criminologia, da Associação dos Juízes pela Democracia, ocupando um espaço progressista e de esquerda.


Márcio Thomaz Bastos, 64, é advogado criminal. Foi presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de 1987 a 89, e da OAB-SP (1983-85).



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