UOL




São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Criminalidade, violência e a Polícia Militar

ALBERTO SILVEIRA RODRIGUES


Os PMs também são vítimas da violência e, invariavelmente, acabam tombando no exercício da função


O que é explicado nem sempre é justificado; o que é justificado nem sempre é aceito; o que é aceito nem sempre se harmoniza com o que é explicado. Um raciocínio cíclico que demonstra a dificuldade de chegar a um consenso, principalmente porque, além da fundamentação teórica, didática ou científica, nenhum posicionamento pode ser desvinculado de um natural grau de subjetividade.
Qualquer justificativa que se procure utilizar para planificar uma linha de raciocínio coerente sobre o porquê das coisas pode, a qualquer momento, ser refutada ou, com fundamentos, questionada. No caso do crime, poderíamos tentar explicá-lo tecnicamente e, quem sabe, projetar algumas das razões sobre a sua ocorrência. A conjugação de fatores sociais, econômicos e morais, entre outros, num desequilíbrio cada vez mais acentuado, poderia ser a alternativa mais confortável para buscar entender os números atuais da criminalidade.
Mas como justificar a violência gratuita e sem motivação ponderável empregada pelo ser humano e, pior, como aceitar a frieza e a maldade impregnadas nas atitudes quase psicóticas de pessoas contra o próximo -em alguns casos contra entes queridos? Não raramente, casos surpreendem não só pela gravidade e pela violência perpetradas, mas, essencialmente, pelas vítimas, que têm tido como algozes pessoas, em princípio, acima de qualquer suspeita.
Em outubro de 2002, a jovem Suzane é acusada do assassinato dos próprios pais. Em novembro do mesmo ano, estudante é acusado de matar avó e empregada. Em fevereiro deste ano, pai é acusado de jogar filho de um ano contra veículo em movimento. Exemplos, dentre tantos outros, que fogem de uma avaliação simplista e conclusiva sobre os seus fatores motivacionais. Certa apenas a concepção de que, apesar de o crime e a violência serem fenômenos distintos e autônomos, ultimamente a presença de um tem sido, praticamente, vinculada à existência da outra.
Analiticamente, crime é um fato típico, antijurídico e culpável, podendo ser consumado sem conexão com atos violentos; por exemplo: furto, estelionato etc. A criminalidade é uma contingência do crime. Já a violência consiste num elemento psíquico esquecido na esfera subliminar da consciência, donde, a qualquer momento, pode ressurgir. Controlada por freios sociais, morais, religiosos, familiares e pelo bom senso, é fundamental como estímulo vital para a reação de defesa e para o espírito empreendedor, necessários à existência humana. Em contrapartida, exteriorizada sem o controle ou o balizamento de tais limitadores, vicia o comportamento e avilta a atitude, tornando inconsequente o resultado e os seus efeitos.
A violência é inerente ao ser humano. Está dentro de cada um e se manifesta de formas e intensidades variadas, dependendo dos freios incrustados no caráter ou na personalidade. Impossível mensurá-la ou prever o momento de sua exteriorização. Já a criminalidade pode ser mensurada e controlada. No Estado de São Paulo está sob controle, com tendência de queda, apesar de, ainda, apresentar níveis inaceitáveis.
Não obstante essa explicação, urge buscar uma justificativa aceitável para o crescente número de casos em que a violência está se incorporando ao ato criminoso, além de fomentar e estimular as ações delituosas. Poderíamos recorrer aos "milhões de especialistas" em segurança pública para encontrarmos respostas ou até soluções. Ou, então, socorrermo-nos de antropólogos, sociólogos e psicólogos para tentarmos entender melhor o ser humano e, quem sabe, reprogramar o seu comportamento.
A mudança desse cenário não deve ser tão singela. Na realidade, o mundo inteiro passa por um processo de mutação individual e comportamental em que a perda de valores morais e sociais tem alcançado povos e nações sem distinção. Guerras, atrocidades e manifestações de selvageria humana são veiculadas e difundidas com uma naturalidade tão fria, espontânea e globalizada que parecem nem mais sensibilizar as pessoas.
Some-se a isso a desagregação familiar e uma sociedade que supervaloriza o capitalismo e o consumo, em detrimento de sentimentos e valores humanitários. Nesse contexto, "oportunistas de plantão" questionam a atuação dos órgãos públicos e, especificamente, da Polícia Militar, sem assumir e compartilhar das responsabilidades.
A violência do homem, pelas razões expostas, não pode ser mapeada ou prevenida por um órgão público, por mais competente que seja a sua atuação. O crime e a criminalidade são consequências da própria vida em sociedade, que não garante o equilíbrio entre as oportunidades nem a satisfação das necessidades básicas de todos, principalmente por anseios e expectativas serem tão diferenciados. Portanto asseverar que o aumento dos casos de crimes violentos está vinculado à atuação da PM é vendar os próprios olhos para a realidade.
Sabemos que não existe solução indefectível e que qualquer estratégia necessita de monitoramento constante para correção e ajuste. O que não se pode é tratar "diferentemente os iguais". A morte de um importante jornalista a imprensa chamou de atentado à democracia; e a de juízes afiançou que era um atentado ao Estado de Direito. Morreram 41 PMs no exercício do policiamento em 2002 e nada se viu ou ouviu de indignação ou repúdio, apenas indiferença. Os PMs também são vítimas da violência e, invariavelmente, acabam tombando no exercício da função, em defesa da comunidade. Por que os diferentes níveis de comoção?
Justificativas ou explicações somente não conduzem a soluções. O bem-estar social só será alcançado quando todos aceitarem e compartilharem suas responsabilidades.



Alberto Silveira Rodrigues, 51, coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, é o comandante-geral da corporação.




Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Jorge Wilheim: São Paulo, cidade olímpica?

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.