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TENDÊNCIAS/DEBATES
Chegou a hora de baixar a taxa de juros?
SIM
O enigma do Banco Central
RICARDO CARNEIRO
A trajetória da economia brasileira em 2003 caracteriza-se por
dois movimentos inequívocos: a redução continuada dos índices de inflação e
a desaceleração do crescimento, acompanhadas de rápida contração em setores essenciais, como a indústria.
Diante desses indicadores, como entender a atitude do Banco Central de se
negar a reduzir a elevada taxa nominal
de juros, patrocinando, na prática, uma
ampliação significativa dessa taxa em
termos reais?
Parte do enigma pode ser solucionada
tomando como referência os programas de ajustamento de economias
emergentes supervisionados pelo FMI.
De acordo com Joseph Stiglitz, em seu
livro "Globalization and its discontents", as políticas do FMI têm se pautado por uma preocupação quase exclusiva com o desempenho imediato da inflação, deixando de lado dimensões relativas tanto à obtenção de uma estabilidade mais duradoura quanto aos custos
da política de deflação. Essa postura tão
de agrado dos mercados financeiros é,
segundo o economista, claramente inspirada pela ideologia dominante no eixo Wall Street-Tesouro americano.
Apesar da influência determinante do
FMI na atual política econômica praticada no Brasil, ela não explica integralmente a conduta do Banco Central. Há
dimensões particulares desse enigma
que dizem respeito à fixação das atuais
metas de inflação pelos gestores da política econômica. Estes, no afã de se mostrarem confiáveis aos mercados financeiros, estabeleceram metas de inflação
irreais, somente exequíveis à custa de
uma expressiva contração na produção
e no emprego.
Todos sabem das dificuldades de operação de um regime de metas inflacionárias no Brasil. O papel da taxa de
câmbio na formação de preços reduz a
influência da taxa de juros na trajetória
de inflação quando das desvalorizações
cambiais. O argumento pode ser ilustrado com a composição do IPCA. Nele, os
preços diretamente determinados pelo
câmbio, os comercializáveis, pesam cerca de 40%. Os indiretamente influenciados pelo câmbio, os monitorados, respondem por algo em torno de 30% do
índice, enquanto aqueles livres da influência do câmbio, os não-comercializáveis, ficam com os 30% restantes.
Um exemplo numérico ilustra a dinâmica da inflação vis à vis a trajetória do
câmbio. O ano de 2002 é um momento
privilegiado para observar essas relações em razão da forte desvalorização
nominal da taxa de câmbio, da ordem
de 70%. Segundo cálculos do Banco
Central, nesse ano aproximadamente
80% da variação dos preços foi explicada pelo movimento do câmbio.
O que dizer da trajetória recente da inflação? Desde janeiro deste ano, os índices são consistentemente declinantes. O
IPCA reduz-se de 2,25%, em janeiro,
para 0,61%, em maio. A análise desse índice por meio de outras medidas (núcleo, médias aparadas, mediana) indica
a mudança de comportamento da inflação. No primeiro trimestre, a propagação dos choques ainda fez os preços decrescerem em velocidades distintas.
Nos últimos três meses, essa discrepância de velocidade ainda se manteve, mas
com uma novidade, a deflação em parcela do índice.
Examinando o IPCA em detalhe, percebe-se que aqueles preços que apresentam velocidade de queda menor são
os monitorados ou administrados, indexados pela inflação passada, com sensibilidade nula ante a taxa de juros. Seguem-se os bens comercializáveis, bastante afetados pelos movimentos da taxa de câmbio e com menor sensibilidade aos juros. Por fim, com desaceleração vertiginosa, os preços livres ou não-comercializáveis, cujo índice de variação em maio foi de nulo.
Diante desses fatos, como entender a
resistência do Banco Central em baixar
a taxa de juros? Haveria na economia alguma indicação de aquecimento? Ao
contrário, a própria política econômica
tem sido um fator de agravamento conjuntural da atividade econômica num
quadro estrutural muito deteriorado.
Salários em queda, aumento do desemprego, restrição fiscal, juros elevados e
crédito escasso constituem o pano de
fundo da retração do mercado interno,
que está sendo conduzido a uma contração inédita da produção industrial,
sobretudo pela velocidade que a caracteriza.
Nesse contexto, a posição do Banco
Central só é inteligível pela tentativa de
manter a credibilidade de metas de inflação irrealistas. Para viabilizá-las, será
necessário aumentar a velocidade da
queda de preços nos conjuntos menos
sensíveis às taxas de juros, implicando
maior sacrifício em termos de produção
e emprego.
A possibilidade de essa política conduzir a uma recessão de grande magnitude é real. Para evitá-la, há que modificar a política financeira, diminuindo a
taxa de juros, que poderia cair até três
pontos percentuais sem provocar fuga
de capitais do país. É imprescindível
também reduzir o compulsório dos
bancos, como medida adicional para a
reativação do crédito e a volta do crescimento. Tudo isso é possível sem ameaçar a estabilidade. O único preço a pagar
será o da revisão das metas irrealistas do
Banco Central.
Ricardo Carneiro é professor do Instituto de Economia e diretor do Centro de Estudos de
Conjuntura e Política Econômica da Unicamp.
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