São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Felizmente este país tem rumo

Às pressas, antes de partir para suas merecidas férias anuais na Riviera, a diretoria do Fundo Monetário Internacional autorizou a divulgação de um comunicado de 21 linhas, no dia 7/8, informando que seus técnicos chegaram a um acordo com a delegação brasileira que se encontrava em Washington. Trata-se de um novo acordo "stand by", com o prazo de 15 meses, que deverá ser definitivamente aprovado no começo de setembro. Devido à delicadeza do momento, a declaração do FMI é um primor de sofisticação política. Afirma que "as autoridades brasileiras estão convencidas de que o novo acordo serve muito bem aos interesses do país e que ele será sustentado pelos principais candidatos que lideram a corrida presidencial".
Para reduzir a ansiedade do mercado, o diretor-gerente do FMI, sr. Horst Köhler, adiantou as condições da ajuda:
1. um empréstimo de US$ 30 bilhões de financiamento adicional, dos quais US$ 6 bilhões poderão ser sacados em 2002 e o restante, US$ 24 bilhões, apenas em 2003, depois das auditorias trimestrais que comprovem o atendimento das metas;
2. o nível mínimo de reservas líquidas, atualmente de US$ 15 bilhões, será reduzido a US$ 5 bilhões no momento da aprovação definitiva do novo programa;
3. para "assegurar a sustentabilidade fiscal no prazo médio", o novo programa estabelece a manutenção de um superávit primário de 3,75% do PIB, no mínimo (sic), a ser revisado a cada trimestre em 2003, e a inclusão desse mesmo mínimo nos orçamentos dos exercícios de 2004 e de 2005.
Com grande habilidade em sua declaração, o FMI finge não saber que namoramos outra vez um "default" após quatro anos de uma política sugerida e classificada como "brilhante" por ele próprio. Olimpicamente, ignora o fato de que o novo acordo é apenas uma "bóia" que busca manter na superfície um programa que termina como um terrível fracasso -medido pela enorme dependência externa e pelo crescimento médio do PIB em 1999/2002 da ordem de 1,9% ao ano. Finge também ignorar que, depois do grande empréstimo de US$ 41 bilhões que nos livrou do "default" em 1998 e reelegeu o presidente Fernando Henrique, nós nos socorremos com o FMI em setembro de 2001 (na crise argentina) com um "stand by" US$ de 15,7 bilhões. E, agora, voltamos ao seu guichê pela terceira vez na octaetéride de FHC. Na revisão de junho deste ano, o FMI já advertira que "as autoridades deveriam trabalhar mais para reduzir a larga dependência de empréstimos externos e internos" e "sugeriu" o aumento do superávit primário para 3,75% do PIB.
Todos temos de apoiar o novo empréstimo pela simples e boa razão de que não há outra escolha: ou o aceitamos, ou vamos para o "default" em pleno processo eleitoral. Mas aceitar a retórica governamental, com a sua propaganda enganosa de que ele é "a salvação do mundo", de que "revela o prestígio do governo", de que "reconhece a excelência da política econômica", é um pouco demais. O grande barulho serviu para encobrir o desastre.
Dizer ainda que ele "não condiciona a política econômica futura e não tem custo" é o que, respeitosamente, chamaríamos de patranha! O Brasil tem, sim, rumo e endereço: 700, 19th street, N.W. Washington, D.C. Ainda bem que ele existe...


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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