São Paulo, quarta-feira, 14 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Eles são a porta

RIO DE JANEIRO - Faz tempo, escrevi crônica neste espaço intitulada "Eu sou a Porta!". Assim mesmo, com ponto de exclamação e maiúscula no substantivo. Eu estava indo ao Detran fazer o exame de vista para renovar a carteira de motorista. Na manhã vazia da imensa praça do Jóquei Clube, um profeta de barbas grisalhas e fartas, túnica branca e um cajado na mão informava a quem quisesse ouvir que ele era a porta, ou melhor, a Porta.
Somente por ele se passaria para a bem-aventurança, o reino da justiça e da paz, adquirindo a sabedoria para distinguir o bem do mal. Não havia outro caminho. Ele era a Porta!
Meu problema, naquele instante, não era distinguir o bem do mal, mas distinguir o verde do vermelho dos sinais de trânsito, as ruas de mão dupla, os estacionamentos proibidos. Poderia ter minha carteira cassada. Daí que não dei importância ao profeta e à sua porta.
Vejo agora, em outdoors espalhados por todo o país, que os candidatos, nem todos barbados -há mulheres metidas nas eleições para vice-presidente e para governos estaduais-, também são uma espécie de porta. Porta para mudanças, para um Brasil melhor, um país venturoso, para um futuro de prosperidade.
É evidente que acredito em todos eles. Está para nascer o candidato que prometa o pior, que promova o massacre das criancinhas, o estupro das freiras, a profanação dos vasos sagrados dos templos, a violação das sepulturas dos nossos mortos.
Ora, dirão os interessados, qual seria a alternativa? Nossos cartazes, o eixo de nossas campanhas, seriam o quê? Num momento difícil na história da Inglaterra e do mundo, Churchill prometeu sangue, suor e lágrimas.
Para consertar o que temos de errado, para suprir o que nos falta, a fórmula pode não ser tão radical, mas, sim, parecida. Podemos dispensar o sangue e as lágrimas. Mas seria bom que prometessem suor. O deles, não o do povo.



Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Lula positivista
Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Felizmente este país tem rumo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.