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TENDÊNCIAS/DEBATES
Por um debate de boa qualidade
MAURÍCIO TUFFANI
O debate sobre a regulamentação da profissão de jornalista perdeu uma grande oportunidade de ser
tratado como ele merece. Na tentativa
de refutar meu artigo "Uma exigência
contra o jornalismo" (de 12/5), o presidente do SJPSP (Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo), Fred Ghedini, surgiu mais de dois
meses depois, com seu texto "Por um
jornalismo de qualidade" (em 28/7), no
qual preferiu tecer considerações de ordem pessoal e abusar dos adjetivos e
descaracterizar minhas afirmações, em
vez de criticar meus argumentos.
A fim de poupar os leitores, evitarei
me alongar no nível pessoal. Diferentemente do que Ghedini afirmou, ingressei no jornalismo em 1978 -antes da
regulamentação em 1979 do decreto-lei
972, de 1969- como revisor no jornal
"O Estado de S.Paulo", e não na Folha,
onde entrei pela primeira vez em 1988
como repórter de ciência.
O presidente do SJPSP tentou em vão
mostrar que escrevi sem checar informações: disse que a Fenaj (Federação
Nacional dos Jornalistas Profissionais)
enviou seu anteprojeto de lei de regulamentação profissional ao Ministério do
Trabalho e que eu afirmei que o documento foi enviado ao Legislativo. No
entanto, minha afirmação foi simplificada, pois o Congresso Nacional é o
destino final da proposta e também
porque outros órgãos e parlamentares
também já a receberam. Como a proposta prevê a criação de uma entidade
de direito público, o CFJ (Conselho Federal de Jornalismo), ela só pode partir
do Executivo, como estabelece a Constituição.
Encerro, portanto, as considerações
pessoais, inclusive para não dar razão
ao procedimento que ora rejeito.
Critiquei a Fenaj ao dizer que a elaboração de seu anteprojeto não teve uma
ampla e prévia discussão entre os jornalistas. Mas ao responder que "a sociedade" poderá debater o assunto no Congresso, o presidente do sindicato desvirtuou a questão, pois ele sabe que esse tema é polêmico até mesmo entre os profissionais regulamentados pelo decreto-lei. E, como eu já havia ressaltado, o próprio Código de Ética do Jornalismo
proíbe "frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre debate".
Sobre a tese de que a formação superior específica assegura o domínio da
técnica e o respeito à ética do jornalismo, afirmei que ela é falseada pela existência de vários profissionais "indiplomados" altamente qualificados. Mas
Ghedini descaracterizou o pressuposto
e a dedução, dizendo que eu pretendo
"discutir a necessidade ou não de uma
regra com base em exceções", quando,
na verdade, eu apenas disse que não faltam contra-exemplos para fazer desmoronar uma pretensa regra geral.
Para refutar minha afirmação de que
organismos internacionais como Unesco, Comitê Internacional pela Liberdade de Imprensa e Sociedade Interamericana de Imprensa já se manifestaram de
forma expressamente contrária a exigências como a obrigatoriedade do diploma de jornalismo, o presidente do
sindicato preferiu desqualificar essas
instituições. Ao tentar invalidar os posicionamentos dessas entidades, ele afirmou que elas estão sujeitas às pressões
dos proprietários dos veículos de comunicação. Desse modo, ele usa o mesmo
recurso aplicado contra mim, que os lógicos chamam de falácia do argumento
contra a pessoa -só que, no caso, contra pessoas jurídicas.
A discussão sobre o diploma de jornalismo tem sido uma coleção de exemplos do que não deve acontecer em um debate
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Afirmei também que juristas dos mais
respeitados do Brasil foram explícitos
ao qualificar como inconstitucional a
exigência do diploma. Mais que isso,
transcrevi as palavras de Geraldo Ataliba, um dos mais brilhantes mestres do
direito administrativo público que já tivemos, que qualificou o decreto-lei 972
como uma "vergonha" para nosso país.
Mas meu interlocutor nada comentou
sobre isso, nem sobre o fato de que a
obrigatoriedade de formação superior
para o jornalismo na Costa Rica foi reprovada em 1985 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Alguns de meus argumentos podem
até ser equivocados, mas para refutá-los
é preciso discuti-los. Infelizmente, a discussão sobre o diploma de jornalismo
vem se tornando uma coleção de exemplos do que não deve acontecer em um
debate. E eles ocorrem de ambos os lados da polêmica. Têm sido deploráveis
as manifestações de profissionais que
mal se deram ao trabalho de ler as decisões judiciais acerca da ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra o decreto-lei. Tem sido lamentável assistir às trocas de insultos
em grupos de discussão e em chats da
internet. Muitos têm demonstrado que
desconhecem até mesmo a proposta de
criação do CFJ e de exames para ingresso na profissão.
Apesar de já ter fechado sua proposta
de regulamentação, a Fenaj ainda pode
promover um debate com as vozes dissonantes, sem prejuízo do trâmite no
governo. Aliás, nem todos os que são
contra a obrigatoriedade do diploma
são contrários aos cursos de jornalismo
ou à idéia de criar o CFJ e seus exames. E
para que um debate como esse seja realmente útil à sociedade, vale a pena dar
atenção às palavras de advertência do filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio em "De Senectute" (1996): "Não
basta conversar para empreender um
diálogo. Nem sempre aqueles que falam
uns com os outros falam de fato entre si:
cada um fala consigo mesmo ou com a
platéia que o escuta".
Maurício Tuffani, 46, é jornalista especializado em ciência e ambiente. Foi editor-chefe da revista "Galileu" e editor de ciência da Folha.
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