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"Fortuna" e "virtù"
Recorde na popularidade de Lula reflete bonança na economia que seria injusto atribuir apenas
à sorte presidencial
CRESCIMENTO econômico,
redução da desigualdade de renda, controle da
inflação. Uma rara confluência de fatores positivos se
reflete no recorde histórico alcançado pela popularidade do
presidente Lula, segundo a última pesquisa do Datafolha: 64%
da população qualifica como
"ótimo" ou "bom" o seu governo.
Lula tem muito a agradecer,
por certo, ao concurso da "fortuna" -e a descoberta de grandes
reservas de petróleo no oceano,
abaixo da camada de sal, parece
mais uma vez confirmar no seu
caso a intervenção desse fator
imponderável, que Maquiavel
apontava como essencial para o
sucesso de um governante.
Essencial, mas insuficiente, segundo o autor de "O Príncipe", se
não vier acompanhada da "virtù". Noção difícil de definir, mistura de audácia e de oportunismo, de cálculo e de instinto, não
faltaram ao presidente condições de demonstrá-la.
O que talvez mais surpreenda
em Lula é que sua "virtù", no Planalto, em nada se confunde com
as características que alardeava
enquanto líder partidário. O que
aparentasse possuir de coerente,
de inflexível, de "diferente", deu
lugar a uma adaptabilidade cautelosa, feita menos de indignação
mudancista que de conformidade com o mundo real.
Essa conformidade, de resto,
foi o que lhe permitiu resistir às
pressões no sentido de alterar os
rumos adotados na política econômica sob FHC. Lula teve o mérito de contribuir para um ambiente de segurança econômica
que, antes de sua posse em 2002,
nenhum observador se dispunha
a prognosticar.
A crise do mensalão, a que reagiu com mediocridade, teve o
efeito paradoxal de desvinculá-lo definitivamente da tutela partidária; fortaleceu-se com o tempo a imagem de um presidente
pairando acima das instituições,
de forte identificação popular,
no velho estilo varguista.
Sem dúvida, a hábil conivência
com o atraso político constitui
um aspecto decisivo na sustentação de Lula, tanto no Congresso
quanto nas camadas que mais se
beneficiaram de sua investidura
como um novo "pai dos pobres".
Destituído de qualquer audácia
no sentido de promover reformas institucionais profundas, o
presidente fez, nesse campo, da
inação sua "virtù".
O populismo, a tentação autoritária e continuísta, a cisão da
sociedade em duas metades inconciliáveis, têm sido uma constante na América Latina; casos
como os da Venezuela e da Bolívia, nos dias de hoje, reiteram essa maldição histórica.
Alcançando, pela primeira vez,
setores populacionais de maior
renda e escolaridade, a aprovação de Lula parece entretanto
afastar-se do esquema arquiconhecido; fundamentos econômicos mais sólidos, além de uma
maturidade institucional mais
nítida, tendem a colocar o país
diante de expectativas menos
sombrias. Desde que o permitam, por certo, a "fortuna" e a
"virtù" -não as de um presidente, mas sim as de todos nós.
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